A PATROINHA
Xavier sempre foi um sujeito meio
cafona, mas desde que começou a trabalhar na vidraçaria da viúva se enfeitava de uma tal maneira que parecia o
próprio dono do estabelecimento. Emendar o feriado? Nem pensar. Pedir vale? Não
vale.
Trabalhava até aos domingos apenas para chamar a
atenção da poderosa Zenilda, que na verdade nem se lembrava que o boneco
existia.
Santo fanatismo! Era um beato de carteirinha, obcecado por um cartão de ponto e ainda usava um uniforme dourado com o nome da chefona bordado nas costas, na maior satisfação do mundo.
Para ele, Zenilda era tudo de lindo! Adorava o seu
estilo militar, conduzindo o serviço com a rédea curta. Mas, e o salário? Era
mais curto ainda. Só que Xavier, na sua santa babaquice, fazia-se de tapete
para que ela pudesse sapatear em cima.
—É muito mais que uma
mulher!- suspirava- É uma deusa da sociedade moderna totalmente chique com seu
tamanco de três andares!
Quando ele chegava em sua casa, já um trapo velho de puro cansaço, sonhava
acordado com o jeitinho melindroso da patroa, nem se importando com a esposa que
fazia de tudo para lhe agradar .
Mirinha era assim... e Zenilda assado!
Ficava até corado enumerando todas as qualidades da
outra, sem perceber que deixava a coitada da Mirinha no chinelo. E ela fazia de
tudo para lhe agradar, tentando ser uma especialista em cama, mesa e banho,
enquanto Xavier trabalhava até de madrugada só para impressionar a espertalhona
da patroa que enriquecia ás suas custas.
Então, por conta desta dedicação, Zenilda quis
fazer um agrado, retribuindo tanta dedicação assim com um jantarzinho elegante.
Aonde seria este evento? Ora, na casa do Xavier, é claro. O que??!
Ele quase rachou ao meio de susto. Como poderia
mostrar publicamente a sua Dama do Lar para uma “senhora de fino trato” como
Zenilda? Aquele mocó de dois cômodos seria um atentado ao pudor aos seus olhos
requintados, detonando de vez com a sua moral cívica.
O que fazer? O que dizer? Ficou pasmo, enquanto a “patroinha” cruel ordenava:
—Sábado, ás nove! Sem desculpas.
Ai, caramba! Com muita dificuldade comunicou o
ocorrido a Mirinha, justificando que após aquele jantar sinistro talvez ele seria promovido a Embaixador da
Vidraçaria.
Nisso ela mostrou-se a mulher mais compreensiva do
mundo, prometendo caprichar na arrumação da casa para que tudo ficasse do seu
agrado.
Rapidamente capinou o quintal, fez uma faxina nos
cômodos e ainda preparou um pudim delicioso. Xavier, meio envergonhado, só teve o trabalho
de fazer a barba, se banhando no perfume floral. E o que fazer com Mirinha,
hein?
Com certeza serviria de castiçal, segurando a vela para os dois pombinhos picaretas.Mas Mirinha já havia percebido as verdadeiras intenções de Xavier e humildemente apresentou-se para Zenilda como se fosse a empregadinha da casa, dizendo ser aquela que dava um duro dia e noite apenas para agradar o patrão ingrato.
Patrão que nunca lhe deu nada em troca e não sabia
que tanta dedicação assim tinha apenas um nome: AMOR. Xavier emudeceu e quase
virou suco. Não conseguia parar em pé.
Olhou Zenilda impecavelmente engomada, cheia de si e percebeu que ela lhe fazia o mesmo
naquela bendita vidraçaria, lhe tratando como um idiota.
Compreendeu que “idolatrava” a pessoa errada, pois
Mirinha demonstrou ser a mulher mais encantadora e elegante do mundo.
—Dona Zenilda, desculpe, mas houve um engano aqui.
Na verdade, Mirinha é a minha esposa querida que nunca soube valorizar e
preciso me redimir.
—Eu entendo. Espero que ainda dê tempo porque
Mirinha está arrumando as malas.
Zenilda saiu na pontinha dos pés, pois notou que
estava sobrando naquela casa. Enquanto a outra arrumava as suas coisinhas para
ir embora de uma vez, sentiu que alguém a abraçava forte.
— Perdão por tudo. Fui um abestalhado sem noção. Senta aqui, Mirinha, porque irei lhe servir
um jantarzinho no capricho. A louça é por minha conta...
Xavier não se conteve e num choro de dor,
arrependimento e acima de tudo de muita coragem, declarou para quem quisesse
ouvir, que Mirinha era rainha do seu
lar, sua verdadeira patroa e dona exclusiva do seu coração!
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