NO RITMO DO FORRÓ

  



        Naquele bairro afastado da cidade existia uma rua que era o charme da moda com seus moradores retumbantes e chiques que exalavam elegância pelo ar no maior glamour.

Eles faziam questão em mostrar o que não tinham e o que pensavam ter, empinando o narizinho de fuinha na maior panca do mundo.

Era o carro novo que não combinava com a cor da sandália; a reforma da casa que não  evoluía  por causa do olho gordo da oposição ou a peruca do fulano que caiu só de inveja do cicrano...

Passavam o tempo todo de papo para o ar cortando as unhas dos pés. Não faziam nada de bom e nada de nada.A fartura era postiça e servia apenas para impressionar os outros vizinhos da redondeza.

Eles viviam de aparências porque ali não tinha um que não tivesse o nome pregado na lista do SPC, piscando em letras douradas.

 Madame Bibi faz parte desta nata rançosa da sociedade  que desfila de topete empinado, macetando a cabeça dos pobres com a sua sandália plataforma e devendo até a primeira parcela do silicone que foi colocado no seu peito na Copa do Mundo de 1980.

Ela vivia estressada, tendo chiliques com a cabeleireira esvoaçante e montando no cangote da sacoleira, que lhe trazia dos confins do Brás um baú cheio de cacarecos. Achava lindo falar “microondas”, “shopping” e chicletes, enrolando a língua como se fosse a Primeira Dama dos Estados Unidos.

Muita gente acreditava que ela era “gringa”, mas na verdade Madame Bibi desovou das profundezas do nordeste , era seca feito a peste, jurando para si mesmo que pobreza, nunca mais.

-Tenho raiva da pobreza!

Em pouco tempo ela colocou uma pedra de cimento no passado e abocanhou com a sua dentadura nervosa o patrão viúvo.Mudou até o próprio nome  com muito medo que um dia alguém pudesse sentir nela o cheiro forte de farinha com jabá.

Agora Madame Bibi estava rica e poderosa, morando na rua certa com as pessoas que combinavam direitinho com o seu signo ascendente. Coisa de louco! 

Até que de repente numa manhã chuvosa, um caminhão todo torto com caixotes de mudança pendurados por uma corda despencou ladeira a baixo no  ritmo de forró. 

Madame Bibi trincou os olhos num susto mortal.Só podia ser uma “pegadinha” ou o  Apocalipse, mas não era!
      - Santa marmotagem , que desaforo é este?
     Eles carregavam galinhas e perus num viveiro enorme, um cachorro magrelo amarrado por uma cordinha de varal e uma mulher banguela trepada no caminhão chupava com dificuldade um pão com ovo.
     Estacionaram num tranco só no terreno que tinha ao lado da casa de Madame Bibi e o seu mundo encantado desmoronou feito uma jaca podre. 

Quase teve um enfarto, principalmente quando armaram um barraco de lona com o Kit muamba já embutido dentro: uma televisão portátil com um chumaço de palha de aço grudado na antena, geladeira de isopor para conservar o mexidinho da semana e o pinico rosa choque grudado aos pés da cama do casal.
    Só poderia ser o Final dos Tempos! A família Silva despencou de mala e cuia, fazendo a maior festança da paróquia, rebolando ao som de Reginaldo Rossi.          
Eram os novos vizinhos; os mais odiados de todos. Madame Bibi se rachou ao meio de tanta raiva e o tempo fechou de vez:

- Que ódio! Tanto barraco neste mundo e foram justamente despencar na minha rua ladrilhada por pedrinhas de brilhantes...- gritou, irada.

    No mesmo dia comprou um cachorro Pit Bull, mandou colocar cerca elétrica no muro e pendurou uma placa no portão: 

                 Mantenham distância. 

          Proprietária feroz alérgica a gentalha”.

    Mesmo assim os novos vizinhos tentaram fazer amizade, lhe presenteando com uma panela de buchada de bode. 

     Vichê,foi um escândalo!  Madame Bibi colocou a trololândia toda para correr, dizendo se sentir ofendida com tamanha audácia.

    Era uma mulher de fino trato e estava acostumada a se alimentar apenas de petiscos importados.
    - Se enxerga, barangas! – rosnou.
    Pronto, o mexidinho começou! Eles grudaram na cabeleira avermelhada de Madame Bibi, lhe arrancando um chumaço da franjinha. Ela rodopiava feito um frango no espeto, enlouquecida de raiva e no meio daquela muvuca toda alguém soltou um grito de saudades:
   - Lolóquinha, é você? - reconheceu a mulher banguela.
    Isto mesmo.Madame Bibi era, nada mais, nada menos, a sua filha querida que havia despencado do pau-de-arara em plena caatinga do Nordeste.

    Depois daquele incidente trágico, nunca mais a encontrou e agora o destino havia lhe colocado novamente em seu caminho.
    Por mais que ela tentasse disfarçar o indisfarçável a verruga lilás que tinha no canto direito do rosto era a sua marca registrada. Foi a criança mais feia da maternidade e não tinha outra igual.
    - Solta o som! A nossa rapadurinha do Agreste voltou!
    A vizinhança delirava de tanto rir. Em um minuto meteram o pé na porta da sala e dominaram o fogão e a geladeira. 

    Depois organizaram um mutirão, erguendo um “puxadinho” básico ao lado da churrasqueira e também jogaram os patos na piscina, na maior categoria.
    Agora era só felicidade porque com certeza tinham bastante que comemorar, recuperando o tempo perdido.
    Madame Bibi foi se deixando levar pelo cheirinho da buchada de bode e quando percebeu já estava requebrando o esqueleto no ritmo do forró, com muita alegria de viver, e de se ver!

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