A Lenda da Meia Noite
No século passado existiu um menino que sentia muito frio e tinha seu corpo desnudo aquecido por um livro
de história que folheava cuidadosamente para contemplar todas as figuras.
Ainda não sabia ler, mas
sua mãe traduzia cada desenho desbotado pelo tempo, inventando rimas que
pudessem adormecer seus sonhos. Ela dizia, com a voz emocionada:
- Quando escurecer feito um breu e o céu explodir como uma profecia tudo de mais lindo cairá do infinito e todos as crianças serão eternamente felizes. Com o início do ano a história será diferente. Teremos Saúde, paz, prosperidade e comida para toda a gente!
Assim contava a lenda e aquele menino acreditou. Seria o começo da confraternização universal e a nova era do poder com a Paz conquistada por todos os povos reunidos num momento único de prazer.
Então ele esperou que todos dormissem e dobrou as páginas do livro de histórias. Despediu-se da mãe e prometeu consigo mesmo que voltaria com os bons tempos, trazendo muita felicidade para todos.
A alma daquele menino
estava em festa, refletindo o brilho cintilante dos seus olhos como um cartão
colorido, pintado com as cores da Vida.
Era um olhar que projetava o futuro; ofegante, inesperado, acelerando o coração numa explosão de ansiedade. Ela havia lido no livro e as páginas nunca mentem.
Desejava aqueles “dias melhores” para que pudessem ter um pouco mais de felicidade. Queria o carrinho de madeira para puxar por um barbante, os rios, praias e amendoeiras. Queria ser Rei por um instante!
Enquanto era apenas um moleque de rua, dono
de todas as vitrines da cidade, procurava em seus enfeites um motivo justo para
recomeçar.
Naquela noite caminhou por esquinas desconhecidas e sentiu que não estava só porque levava dentro de si a esperança de um mundo melhor.
Finalmente quando o céu se transformou numa festa de explosão com fogos de artifícios e mensagens de prosperidade, tudo parecia um cenário para a “história prometida”; a fábula da tecnologia e o desejo de conhecer o desconhecido .
Mas ele ainda sentia o frio na alma, a fome de caridade e saudades de casa. Fechou os olhos ainda abraçado com as velhas páginas já um pouco rasgadas e chorou decepcionado. O novo ano acabava de estourar no infinito , porém nada havia mudado.
As pessoas comemoravam
intensamente, mas ele ainda não tinha motivos para isto.E ali no canto da rua numa sarjeta qualquer, adormeceu abandonado como sempre , porque para aquele
menino a “história encantada” que a sua mãe lia todas as noites para que
pudesse dormir não passou de uma Lenda.
Texto selecionado para a Antologia promovida pela Editora Arame Farpado -2025
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