Um amor de carnaval
Todas as noites Mafalda mexia na sua caixinha de badulaques, procurando com saudades as presilhas de strass para ajeitar os cabelos já grisalhos pelo tempo. Passava um brilho nos lábios, fazia um penteado bonito e se perfumava como se estivesse esperando alguém.
Era uma mulher vivida, vaidosa e repleta de lembranças; dona de uma bondade
que tinha aroma de flor. Depois se apoiava no parapeito da janela, sorrindo
para as pessoas que desciam a ladeira em direção a praça da Igreja Central.
Procurava em cada rosto um outro rosto que nunca vinha, não voltava e
talvez nem existisse mais. E seus olhos de vovozinha irradiavam um brilho de
vida, desejando ainda ser muito feliz.
Lá ia Maria, Antonia, Querubina, os meninos da Suzete, Madalena e Dona
Pina. O mundo inteiro passava diante
daquela janela como um filme de cinema, fazendo festa nas noites solitárias de
Mafalda, que observava todos os detalhes com muitas saudades de seu tempo de
menina.
- E que menina jeitosinha! - Admirava o pai coruja.
Ele era um caixeiro viajante, descendente de nordestino, que vendia enxoval
no interior de São Paulo. Aparecia apenas nas datas comemorativas do ano,
sempre com presentes surpresas dentro da mala. Às vezes era um tecido colorido,
um vestido de chita ou uma sandália de salto alto.
Então nessas idas e vindas, Mafalda foi criada por uma tia solteirona e
pela mãe costureira que fazia suas roupas de festa com bastante babado.
Mafalda já era uma mocinha e queria algo diferente, alguma coisa mais
moderna, como nas revistas de moda.
Queria qualquer coisa que lhe deixasse com pose de mulher!
Nisso faltava pouco para o Carnaval e a banda tocava sem parar por toda a
cidade, levando alegria pelos cantos das ruas com suas marchinhas que ferviam o
coração.
Exatamente ali, há anos atrás, Mafalda se debruçou no parapeito da janela,
exibindo seu vestido novo com os olhos arregalados esperando que a banda
passasse mais uma vez.
Nunca havia visto uma euforia tão colorida assim! Quando de repente, no
meio da música, um rapaz mascarado, bonitão e com pinta de artista fez uma
graça com a corneta, lhe mandando um beijo estralado no ar.
Era Carnaval e desde aquela época, valia tudo; farra, amores, encontros e
desencontros.
Só que Mafalda começou a amar naquele instante mágico, que cantou e
encantou a sua alma de mulher. Nem quis saber de mais nada.
Fingiu não ouvir os gritos bravos da mãe e pulou a janela, se perdendo na
multidão como se conhecesse aquele rapaz há anos.
Na verdade nem sabia o seu nome e por causa da máscara enfeitada conseguia
apenas enxergar os olhos azuis, talvez pintados por guache pela própria
natureza, apenas para que combinasse com sua fantasia de marujo e foram felizes
por alguns instantes.
Estavam namorando e só não se casaram porque já eram onze horas da noite e
ela precisasse voltar para casa.
Na outra noite esperou a banda no mesmo lugar, naquela janela. Estava som a
presilha de strass, com o perfume de flores, mas ele não veio.
Por cinquenta anos Mafalda acompanhou
da sua janela, a Banda de Carnaval. Agora era viúva, com seus netos
criados e estava sozinha na vida. Tinha os cabelos serenos e os mesmos olhos
brejeiros daquela menina a procura do primeiro amor.
A banda passou, como todos os anos, levando com ela seus palhaços, pierrôs
e colombinas.
Então Mafalda prometeu para ela mesma que nunca mais esperaria. Puxou a
cortina, pronta para dormir.
Era quase meia noite e jásentia cansaço. Seu corpo era frágil e exigia cuidados especiais.
Foi quando um marujo, com bastante dificuldade para caminhar, lhe chamou por Tereza, Sofia ou Dolores.
Não importava o seu nome porque atrás da máscara colorida tinha um par de
olhos azuis, que também lhe procurou por muito tempo.
Talvez por cinquenta anos, ou mais, porém nunca se encontraram nesses
desencontros da vida.
O Carnaval de Mafalda recomeçou ali, naquela mesma janela, onde uma
história de Amor ressurgia na lembrança daquelas “crianças travessas” que só
queriam brincar ser feliz. A vida é uma festa e nunca é tarde para acreditar
que cada instante é um eterno recomeço.
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