CARTA AO MEU PAI
Você ainda tinha os
cabelos negros, num topete sinuoso, deixando a mostra pouco mais de quarenta
anos...Algumas pessoas poderiam achar que já era um “coroa”, mas um Super herói
não tem idade. Super-herói por conseguir nos dar tudo de bom, numa luta diária
contra o tempo, porque tínhamos pressa em viver.E com chuva ou sol, lá estava
você carregando sua pasta marrom, aquela que deixava explícito que se tratava de
um trabalhador de verdade.
Naquela época eu não
conseguia entender essas coisas que a gente só enxerga quando cresce...Muitas
vezes me revoltei, dizendo um monte de bobagens que hoje já nem me lembro
mais...
Bobagens de uma garota que
achava que tinha o poder de mudar o mundo.E eu tentei; fui além da minha época,
desejando o que parecia impossível.
Com dezesseis anos bati o
pé várias vezes: queria me casar com aquele que ignoravam por ser
esquizofrênico.Depois disse que seria uma escritora de contos e crônicas.Que a
minha foto, um dia, até sairia em jornais...
É pai, eu investi em tudo
o que acreditava.Você me dizia que era loucura, mas eu fui feliz
assim.Precisava fazer do meu modo, pois tinha um compromisso comigo mesma.
Casei-me contra a sua vontade e sei que sofreu muito.Faz muito tempo, porém depois disso, criou-se um muro entre nós...Mas pai, a vida é assim e às vezes tomamos decisões que as pessoas não entendem.
Valeu como alicerce para
que pudesse me preparar para outras surpresas da vida...E assim amadureci mais
cedo, criando uma força interior que me impulsiona sempre adiante!
E você, mesmo não
querendo, ficou ao meu lado.Com seu jeito tímido, quase mudo, porém eu sabia
que estava ali.
Estava ali quando me
presenteou com a minha primeira máquina de escrever, para que eu pudesse
digitar todos meus poemas.Quando me ajudou a criar os meninos que também são
seus! Quando escutou todas as minhas verdades, sempre sorrindo, quando na
verdade queria chorar em seu colo.
Pai,desculpe a demora.Eu
me perdi nos caminhos da vida, mas neste desabafo, um pouco tardio, só posso
lhe beijar os cabelos branquinhos, o rosto traçado pelas marcas do tempo e
dizer no seu ouvido: te amo, como naquelas manhãs de domingo que me colocava no
seu ombro para assistir ao desfile de Sete de Setembro.Eu te amo por descobrir
um bilhetinho seu, guardado durante anos numa caixinha antiga, chamando-me de
filhinha amada. Escreveu no dia da minha I Comunhão e nunca teve coragem de me
entregar...E te amo muito mais por ser único pra mim!
Hoje finjo não ver os seus
83 anos, puxados por um chinelinho surrado com muita dificuldade. Nem assim
consigo abrir o meu coração porque pra mim é difícil falar, pai.
As lágrimas escorrem pelo
canto dos olhos e prefiro ler esta carta para você.Quero lhe pedir que me
proteja do Bicho Papão e que o Papai Noel me presenteie com um Milagre de NATAL
, para que possamos ser felizes...só um pouquinho mais! Perdoa por tudo, pois
ainda sou uma criança e preciso CRESCER. Pai me abraça!
Meu pai faleceu em
09/02/2006 sem conhecer esta carta, pois não tive coragem de lhe entregar.
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