NOVOS HORIZONTES *
Ninguém naquela casa se
deu conta, mas embaixo do pé de laranja lima tinha um formigueiro que vivia aos "trancos e barrancos" , onde cada um falava uma coisa e fazia outra completamente
inversa.
Não se entendiam e durante um século corriam atrás do progresso da comunidade, inventando leis para manter a Ordem e leis para curtir a desordem.Que confusão!
Era um tal de greve daqui,
tapa na cara dali e só tinham medo, muito medo do castigo divino que vinha a
galope não perdoando nenhum deslize; nada!
Eram beatos fervorosos e
como não ter fé se todos os dias o “poderoso” zanzava pelo quintal com sua vassoura
enorme na mão, colocando ordem no mundo? Muitas formigas já foram esmigalhadas
ali mesmo, enquanto perambulavam livres, leves e soltas.
Este chefe poderoso não tinha
piedade de ninguém.Tinha poder e apenas um nome: Seu Baldino, o dono da
propriedade.
Só que para aquelas formigas xucras ele era soberanamente absoluto com sua vassoura justiceira. Logo cedo varria tudo e todos, colocando ordem na casa.
Na verdade
ele era somente um professor aposentado que cuidava do seu quintal, nem
desconfiando que lhe tinham como o chefe poderoso do mundo, do terreiro e do
formigueiro.
Quando ele roncava na
rede, tremiam as perninhas de pavor:
- Xí, o poderoso está
irado! Lá vem bomba!
Mas quando ele, por acaso,
esquecia um pedaço de goiabada no chão, gritavam de joelhos:
- Ah, que felicidade! O chefe está feliz.-
Era um sinal de festa e toca o som!
Seu Baldino era o manda
chuva do pedaço e nem sabia.
Quem inventou esta estória ridícula e cheia de mistérios foi o próprio Seribelo, um formigo arretado que assustava os outros com seu discurso mirabolante.
Era assim que conseguia por um freio no povão para que tudo não virasse uma zorra total. Que cara de pau! Ele era um picareta e não gostava de pegar no batente.Não queria trabalhar, colocando toda a piãozada na roça, enquanto ficava de quarentena na cama, é claro.
Além de se coçar dia e noite,
ainda tirava dos trabalhadores o melhor que conseguiam durante horas e horas de
labuta. O melhor torrão era o dele, o maior pedaço da goiabada e a também a
sombra fresca.
E quando qualquer um
tentava se rebelar, mais que depressa contava a mesma ladainha, lembrando os
poderes do chefão bravo que não gostava de arruaça, fazendo justiça com as
formigas bocudas.
Pronto, era silêncio
total! E tudo continuava no mesmo lugar: os pobres cada vez mais pobres e
Seribelo cada vez mais folgado, numa boa!
A justiça de Seu Baldino era feita com a vassourada, sem piedade.E quando estava muito irado, pisava firme com sua bota de couro preta, massacrando as formigas infelizes que faziam uma caminhada no final da tarde.
Foi depois de um dia daqueles que o formigo Biézinho trouxe em cima das costas um pedaço de jornal, que mostrava uma paisagem diferente.
Era um lugar lindo e parecia um Paraíso!
No começo ficou ressabiado com a pulga atrás da orelha, porque desde que
nasceu sempre achou que o seu pé de laranja lima era o único do mundo.Mas ali
naquela foto estava a prova dos fatos; também existia um outro lugar! Isto era
o máximo!
Colocou a boca no
trombone, se reunindo com toda o formigueiro num pronunciamento inédito.Subiu
em uma lata de molho de tomate, dizendo para quem quisesse ouvir que além
daquele muro velho existia muito mais que o quintal de seu Baldino. Existia um
paraíso a espera de moradores vindos de todas as partes do mundo.
Para que pudessem
conhecê-lo, teriam que vencer suas próprias barreiras, sem medo de se
libertarem daquela história sinistra, que fazia de Seu Baldino o todo poderoso
que nunca foi.
- Abaixo Seu Baldino! É o
Apocalipse no formigueiro!
Para comemorar a grande Revelação do Século, comeram restos de marmelada e os maiores de idade beberam vinho a noite inteira.
Enquanto as mocinhas arrumavam seus
pertences pessoais, as mulheres mais velhas preparavam as trouxinhas com restos
de alimentos e utensílios domésticos.
Os marmanjos estavam no comando, organizando o transporte para as criancinhas e os idosos, que já estavam muito bem acomodados em cima das folhas de abricó.
Fizeram uma fila
indiana e quando clareou o dia já estavam a caminho de uma nova terra,
deixando para trás as lendas sem fundamento de Seribelo, que ainda dormia na
rede completamente perdido no tempo e no espaço.
Desejavam aventurar-se
pelo mundo, superando as fronteiras do desconhecido, procurando a própria
felicidade. Finalmente abriram os olhos em busca da luz do esclarecimento, que
brilhava muito mais perto do que eles imaginavam. E sentindo a energia da vida
cada vez mais próxima, puderam avistar com clareza outras moradias, diversos
quintais e novos horizontes!
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