ROXA DE CIÚMES ok
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Na boca do povo, ciúmes é a
maior prova de amor e precisa ser aquele fulminante, esvoaçante e paralisante!
Tem que sacudir as tamancas, fazer escândalo, puxar os cabelos para depois tudo
acabar em pizza, ou seja, na cama. Quanto mais ciúme, melhor.Será?
Valdete que o diga, pobrezinha. Ela era
um chiclete na cola de Jair. Não comia, não dormia e não vivia. Pior que o
boneco era feio que dói, mas fazer o quê, se debulhava corações com sua boquinha
murcha que exibia apenas um dentinho de alho?
Cantava todas as mulheres e fazia charminho com os olhos à procura de
um novo rabo de saia, porém os seus dias de solteirão estavam contados e a
cidade inteira sabia do seu enlace matrimonial, menos ele.
—Dá-lhe Jair! – gritavam, animados— Mandou bem! Garoto de futuro. Mente
aberta!
Já outros desconfiavam da rapidez daquele casamento sem pé nem cabeça.Mas,
qual casamento? Ora, de Jair com Valdete, é claro.
Os dois nem
se conheciam direito, porém ele precisava de uma pessoa que lhe desse uma força
na vida. Um empurrãozinho de leve!Morava sozinho, pagava aluguel e ainda tinha
que contratar uma diarista para lavar, passar e cozinhar.As mulheres que se
interessavam por ele só queriam saber da farra e Jair sentia falta de alguém
para dividir as dívidas.
—Aceita dividir um refrigerante com esse humilde servo?
No final da noite já estavam dançando forró com o rostinho colado e prometiam amor eterno.
—Que
loucura, linda.Estou te amando...
—Desde
quando, Jairzinho?
—Desde
que eu nasci e só não tinha me dado conta.Que lesado! Como pude deixar uma
mulher fantástica como você passar em branco na minha vida? Uma vida tão triste
e depenada sem você.
—Impressionante,
nunca percebi nada...
—Sou
um rapaz tímido e muito discreto.—pausa para a fungada no cangote: — Quer casar
comigo?
—É
tudo o que mais desejo nesse mundo!
Pronto.O
golpe foi consumado e os dois pombinhos já dividiam o mesmo bangalô, localizado
na rua da feira, que simplesmente valorizou com a presença de Valdete. Agora
tinha vasos de plantas na varanda, cortina florida nas janelas, a geladeira
lotada de guloseimas, chão brilhando e cheirinho de café fresco no final da
tarde.
—Não mereço
tanta belezura, Val!
Jair adorava
tudo isso e mais
aquilo, porém não conseguiu deixar a gandaia de lado e continuou levando a
mesma vidinha de solteiro; aparecia em casa junto com o nascer do sol, todo amarrotado.
—O que
aconteceu, Jair? Sumiu a noite inteira. Onde estava? Você é mesmo um
fanfarrão. Desembucha, onde você se meteu?
—Já
ouviu falar em abdução? Pois é, perdi a memória. Tudo começou quando segui
aquela luz no final do túnel. Quem sou eu? Onde estou?
Assim era de
matar a mamãe!
—Agora
preciso me recompor. Vou descansar no meu quarto e, por favor, dê um tempo!
E o que
sobrava para a coitada da Valdete? O farelo de Jair; o pó tosquiado do seu
corpinho abatido de tanto ciscar em outro galinheiro.
Valdete se
dizia roxa de ciúmes e picotava sua camisa de cetim com a tesoura de cortar
frango.
—Te
odeio, seu picareta! Jair debochado!
Nisso,o teto
rachava ao meio e o bangalô tremia até as paredes. Só que nenhum e nem o outro largava
o osso.Ele, porque precisava dos seus préstimos de dona de casa.Ela, porque
precisava do seu amor.
Que amor?!? Qualquer tipo de amor, até mesmo de patrão por empregada, aliás, escravizada.As pessoas admiravam tamanha devoção medida por seu ciúme infernal, mas este ciúme tinha outro nome: falta de amor próprio e falta de respeito consigo mesma.
Valdete não
tinha tempo para se olhar no espelho e nunca se valorizou. Mal conseguia
pendurar um grampo no cabelo porque passava a manhã inteira procurando bilhetinhos
de amor nos bolsos de Jair. Procurou tanto,até que encontrou uma foto da perua com o peru. Valdete
quase morreu do coração e prometeu uma vingança fulminante. Só podia ser
feitiçaria e das brabas!
—Safados! Deve ter tomado chá de calcinha. Isso é pura feitiçaria querendo aprisionar o meu homem.
Foi desta
maneira que se deparou com sua cara lambida.Parou um minuto e não reconheceu em si a Valdete
de antes.Credo, a bruxa era ela! Puxou um banquinho, pasma de terror.
—Jair miserável.Olha só o que aquele traste fez comigo...Eu não mereço tamanho estrago!
Só que, na verdade, ela permitiu que fosse assim e ninguém é o causador dessa destruição. Que mago, que nada! Quem gosta da gente é a gente e Valdete resolveu rodar sua própria baiana, jogando um sal grosso no falecido.
—Xoxô, traste!
Rapidinho, apanhou todas as suas coisas e cantou para subir.Sem choro e sem vela! Não precisava passar por tudo aquilo.Era uma mulher inteligente, guerreira e merecia respeito.
—Tô fora! Vixi, fuiiii!
Jair que
fosse cantar em outra freguesia, porque ela estava saindo de ré. Valdete foi embora
sem olhar para trás, mais poderosa que nunca. Deixou o seu terreno limpo para semear a autoestima e colher os
frutos de um novo amor:
O Amor Próprio!
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