UM AMOR DE CARNE E OSSO ok
Ela era sequinha como batata palha e
ele parecia um fiapo de linha amestrado. Claro! Não comiam e nem bebiam. Só
viviam de puro amor!Esse fanatismo começou como uma doença
desde o primeiro dia que avistou aquele príncipe “desencantado” fugido dos contos de fadas para viver um romance misterioso com a borralheira Zulú.
Escreviam bilhetinhos desenhados,
trocavam comidinha na boca um do outro e faziam questão de demonstrar o tempo
inteiro que estavam totalmente envolvidos num só coração.
Também tinham apelidos carinhosos como Bebê, Xuxuca, Pudinzinho, Bombom e Gatona. Todos os dias arrumavam
um motivo especial para comemorar: um mês após a primeira piscada. Dois meses
após o primeiro beijo e três meses após a primeira pegada...Juravam que seria amor eterno mesmo que fosse viver numa
barraca na Praia Vermelha do Norte, sem lenço e sem documentos, apenas no maior love, de papo pro ar e felizes para sempre!
Zulu não tinha palavras, ideias e nem assunto. Brasinha era um pato
morto.Nunca falou sobre política, religião ou futebol e apesar de tanta
encenação cinematográfica pouco se conheciam de verdade.Só que a vida não se
resume em um desenho animado com finais felizes a cada instante, porque aqui
fora o mundo é de carne e osso.
Após pouco tempo de namoro, eles marcaram a gloriosa data do
casamento.Tudo estava muito lindo e cheio de graça!
—Quanta felicidade! Esse homem é tudo para mim. É o ar que eu
respiro.
Brasinha era um bem sucedido vendedor
de sapatos e exigiu que Zulu parasse de trabalhar como doméstica
para se dedicar exclusivamente ao novo lar.Para ele, o importante seria a roupa pendurada
no varal, o feijão com torresmo no capricho e o lençol de bolinhas comprado no
crediário em treze vezes sem juros.O casal maravilhoso estava cego de amor como
dois periquitos apaixonados.
— Essa mulher é deslumbrante. Não tem nenhum defeito e me completa
a alma! Somos a metade da laranja.
—Ah, Brasinha é o cara!
Era tudo tão lindo e sensacional no cotidiano
daquela dupla dourada!
—Boa noite, Bombom. Que dia
feliz!
—Boa noite, fadinha.Você está um chuchu.
Até que por zica do
destino, ou olho gordo das fofoqueiras encalhadas, aconteceu a tragédia do
século: Brasinha foi mandado embora do serviço com sapato e tudo!
—Zulu, tô arrasado!
Morto e soterrado pela lama da vergonha. Nunca mais serei um homem de
verdade.Quanta humilhação!
Pronto, o mundo da fofa caiu!Não
estavam preparados para enfrentar os problemas conjugais e o grande amor de
Brasinha e Zulu foi para o
espaço! Ela se descabelou toda, enquanto seu príncipe desencantado se
transformou num sapo do brejo, cheio de dúvidas
existenciais e dívidas.
— Brasinha, você tá um porre! Te odeio.
—Você é implicante igual à sua mãe.
—Ah, é? Então é pra lá que eu vou.
Aquela mulher louca de paixão sumiu de
mala e cuia para a casa da mamãe na cidade de Jambeiro, acreditando que na novela das oito tudo seria
diferente. Envelhecer numa moita, vivendo de pão duro e água de chuva, nem
morta!
Brasinha ficou pasmo de tanto desgosto.
Caiu na bebedeira e perdeu o pouco que tinha no balcão do bar do Totó.
—Nunca mais! Mulher ingrata.Falsa!
Estava no fundo do poço enquanto Zulu
se acorrentava aos pés da cama para não ir ao seu encontro, já morta de
saudades.Não suportava ver seu “Brasinha Cinderelo” definhado na sarjeta,
clamando piedade com uma caneca de alumínio na mão:
—Uma esmolinha para um pobre infeliz!— resmungava totalmente
embriagado.
Não, aquele não era o seu, sempre seu,
Príncipe do Amor! Resolveu escrever um bilhete e pediu para a molecada da rua entregar
imediatamente.Queria marcar um encontro na praça da Matriz, para conversar melhor. Às 6h em ponto, Brasinha chegou com os olhos inchados de tanto chorar, ainda mais
seco que nunca. Zulu não ficava para trás e disfarçava as
lágrimas com óculos escuros.
— Como a senhora está, dona Zulu?
—Levando a vida, Seu Brasinha.
Então, o que fazer? Zulu não suportava mais a distância e agora
tinha certeza que amava um homem de verdade, com seus defeitos, limites e
problemas. Pareciam dois desconhecidos diante de suas dificuldades e precisavam
unir as forças num único objetivo.
—A vida é dura sem você... Fomos muito felizes, Brasinha. Vamos
tentar novamente?
— Estou arrasado sem a sua companhia...Vamos, meu xodó.
Após horas de choradeira e lamúrias, resolveram recomeçar.Ela se prontificou
a ajudar em tudo que precisasse.Arregaçou as mangas e conseguiu arrumar um
emprego na padaria do Jair. Também fazia bolo no pote e salgadinhos para
reforçar o orçamento.
Enquanto Zulu trabalhava fora, Brasinha se descabelava como louco para deixar
tudo brilhando em casa. Ele aprendeu acozinhar, lavar e passar.Quando Zulu chegava do serviço, a casa estava impecável, com cheirinho de limpeza.
—Zulu, eu recebi uma proposta de serviço na
Oficina Mecânica do Gildo. Começarei amanhã. Não é o meu ramo, mas estou
disposto a aprender.
—Que ótima notícia, Brasinha!
—Preparei uma comidinha diferente para comemorar. Fiz um macarrão
ao molho branco.
—Não conhecia esse seus dotes culinários...
—Nem eu, minha bonequinha. A vida ensina e é uma ótima professora, quando estamos dispostos a aprender.
Com o tempo eles conseguiram pagar as contas atrasadas, fazer o
financiamento do carro novo e bater a laje da casa.Ela ainda lhe dava sopa de
ervilha na boca e continuava a lhe tratar por apelidinhos carinhosos, como Tigrão e Homem-Cueca. Só que agora era diferente porque
haviam amadurecido com a separação.Por meio das dificuldades, aprenderam a se conhecer melhor,
fortalecendo o companheirismo.
—Estamos conseguindo, amor.
—Juntos somos fortes.
Zulu e Brasinha estavam cada vez mais
unidos, vivendo um casamento de carne e osso constituído por momentos alegres e
tristes.Somente assim,poderiam reconstruir uma nova,verdadeira
e desafiadora história de amor.
—Publicado no Jornal A Cidade —
setembro—2007
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