CÃO E GATO
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uando a família Silva despencou de mala
e cuia no quintal da casa nova, não imaginou que o antigo proprietário estaria
de plantão na porta da frente com um beiço de dobrar a esquina, morto de raiva
por ter que dividir o seu espaço social com aquela gentalha intrometida.
— Não me faltava
mais nada neste mundo! – resmungou.
Fininho era um
gato farofeiro que adorava circular pela área, querendo mesmo encher a pança
com a lixeira dos outros e depois cair de quatro com a boca aberta, roncando
até babar de tanta preguiça.
Que coisa! Justo
agora que estava no maior sossego, fiscalizando a vizinhança aparece uma turma
do barulho, querendo zoar o barraco! Encarou o jeito pomposo de seu Guilherme
Silva empinar o umbigo, só pra dizer que era o novo dono da casa, o chefão da
Máfia: o Kid Barriga.
Que nada! Quem
apitava mesmo era uma velha coroca que trazia no colo uma representante da raça
alienígena: uma cadelinha pequenez de nariz de torresmo e bunda TURBINADA.
Deveria se achar a
“Loira do Tchan” e não passava de uma tonta com olhos remelentos e dentes
trincados.
Fininho lhe
mostrou a língua em sinal de inimizade, querendo mesmo voar em sua garganta.
Lady Laura nem se abalou. Estava com o corpo moído, debilitado por causa da
mudança e queria se estender no colo de alguém somente para descansar.
Encontraram-se por um instante e o mundo caiu!
De um lado estava Fininho com unhas e dentes. Do outro, Lady Laura sapateando em sua cabeça e se impondo como se ele fosse um “nada”.
Era demais para o
coração daquele pobre gato sofrido.
Estava na sua
frente uma brega ridícula que se achava a “popozuda” do pedaço. Passou por ele,
numa boa.
Acho até que nem
percebeu que existia, mas Fininho era do signo de escorpião; misterioso desde
pequeno e vingativo por instinto. A casa era de sua extrema responsabilidade e
a defenderia até a morte.
Os gatos são
assim; todos sabem. E os cachorros são assados! Um não se bica com o outro.
Enquanto Fininho se descabelava com a propriedade, Lady Laura se preocupava com
a família Silva.
Se eles se
enjoassem dela ou se fosse colocada para escanteio por causa de um gato brega
daqueles, morreria de ciúmes!
Passavam horas se estranhando. Ele bufava
pelos cantos, “mirabolando” um plano para enlouquecer Lady Laura e logo
percebeu que ela se rachava ao meio de despeito. Conquistaria os encantos da
vovozinha biruta e depois que caísse nas suas graças, baú-baú, nem se
lembrariam de mais que um dia passou por ali uma cadelinha mixuruca, com um
nome brega, vulgo Lady Laura.
— Ah, Ah, Ah, quem mandou chegar assim, se fazendo
de boa. Talvez se fosse mais humilde poderia lhe poupar desta vergonha. -
resmungou- Que se exploda de inveja! Vou colocar o meu plano em ação e vai ser
hoje!
Fininho se
transformou num bebê dengoso e só faltava falar. Sorria tentando dizer bom dia
e quando a vovozinha espirrava, fazia de tudo para gritar:
— Saúde! - bem alto.
Ele estava totalmente educado e cheio de mimos. Não demorou muito para que fosse descoberto e fez o maior sucesso, para o desespero daquela pobre cadela deprimida.
Ela já nem corria
mais. Secou de puro sofrimento.
— Como Lady Laura está rabugenta! - comentavam -
Que antipatia! Nem parece a mesma mocinha da vovó...
E com isto nem
ligavam mais para os seus fricotes. Ela quase pirou de vez. Fininho ria alto,
já no colo de Seu Guilherme Silva ou no sapato das filhas e só de pirraça no
tapetinho felpudo de Lady Laura.
Ela que dormisse no chão!
— Que gato mais fofo! Ele é muito elegante!
— Nunca tinha
reparado como o olho de Lady Laura é esbugalhado e feio! Parece que envelheceu
100 anos. - comentavam.
Nisso começou a
guerra. Não daria o colo de Seu Guilherme de bandeja para um picareta
vigarista. Só que as gracinhas de Lady Laura não tinham mais graça e repararam
até nos seus olhos remelentos, magoando a sua vaidade feminina. Dez a zero para
Fininho!
Quem se atrevesse
a encostar-se ao portão era surpreendido por seu jeito forte e feroz, porque
ele aprendeu até a latir para assustar qualquer um que passasse na rua.
— Cresça e
apareça, minha filha. Não tem nem tamanho para tanta pose. - rosnava Fininho,
já dançando tarantela só para impressionar a família.
Ele mudou a sua
vida: nunca mais fez xixi no matinho ou soltou gases pela sala. Agora era um
gato diferente e cheio de classe.
Nem roía mais o
osso feito um desvairado. Só faltava comer de garfo e faca e a família Silva
estava pasma com suas peripécias.
— Que gato LORDY!
Parece gente! Um gentleman. Um fofo!
Para infelicidade de Lady Laura, ele passou a ter um lugar de honra dentro do próprio quarto do casal. Agora estavam todos coladinhos e durante a novela das oito, enquanto ficavam de olho na telinha, os dois inimigos se trincavam de raiva na maior malandragem, com direito a golpe mortal.
—Você vai se
arrepender de ter nascido, gato ridículo.
—E você vai ver a
grama nascer por baixo, sua cachorra desbotada.
E cada um foi
dormir no seu canto, tramando um golpe mortal.
Só que pela manhã,
na hora do leitinho desnatado, aquela morta de fome havia simplesmente sumido
do mapa.
Fininho
disfarçadamente espionou daqui, dali e nem sentiu o cheiro dela. Justo agora
que lhe humilharia passando bem coladinho no colo de Seu Guilherme Silva, mas
Lady Laura não estava em nenhum lugar.
Ele foi se
desesperando com um pressentimento terrível: a coitadinha evaporou de pura
tristeza.
— Onde estará essa
morta de fome, hein.
A casa estava
cheia de gente, porém vazia de tudo. Eram inimigos, mas já tinha acostumado a
lhe atiçar a ira e lhe cutucar a “pereba” da orelha com uma vara curta. Não era mais gostoso ficar
dependurado nas pernas da vovozinha biruta se aquela “víbora” não estava por
perto para ver. E Fininho quase desfigurou. Que saudade das brigas, do
forrobodó, das suas remelas queridas...
Começou a chamar
pelo seu nome e nada. Lady Laura havia evaporado e ninguém percebeu.
— Bando de
ingratos. Humanos, raça de traíras! Nem se deram conta do sumiço repentino de
Lady Laura. Pobrezinha! Vítima do descaso e opressão.
Não pensou duas vezes, indo atrás do seu KARMA e verdadeiro amor; único motivo de se sentir vivo e feliz.
Fininho era um
gato esperto e conhecia cada poste daquela vila. Não foi difícil encontrar uma
linda donzela perdida na rua, aos prantos.
— Que bom que te
encontrei Lady Laura. Você não precisa se martirizar por uma vovozinha
traiçoeira que nem percebeu o seu sumiço. Não lhe tem um pingo de carinho!
Queria apenas um “mico de circo” para agradar o ambiente.
Fininho sim sentiu
a sua falta, quase morrendo de tédio. Não era mais o mesmo e precisava dos
fricotes de Lady Laura para viver em paz. Então o que seria dele, sem ela? Com
certeza Lady Laura já teve de tudo nesta vida: biscoitinho de polvilho, iogurte
de frutas das ilhas Gregas, enlatados da Noruega, coleiras que piscam da China
e chocolates dos Alpes Suíços , porém
nada se comparava em ter a companhia “desagradável” de alguém que lhe queria
muito bem.
— Estou me
sentindo tão só! – choramingou Lady.
— Ficarei com
você. Não podemos perder a classe. Não ligue para essa gentalha! Você é
importante para mim. Vamos voltar para
casa “rapidinho” porque daqui a pouco Seu Guilherme Silva vai colocar a ração
no pote com biscoitinhos de carne.Força na peruca, baby!
Eles sorriram dispostos a recomeçar com uma imensa vontade de curtir aquele romance extravagante, mas FEROZ.
Viva as diferenças, pois na verdade ninguém é igual
a ninguém e vale a pena amansar as feras para se viver uma linda história de
Amor!
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