FIDELIDADE
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ogoberto era um pacato puxador de
carroça que despachava sorrisos por toda a cidade, enquanto carregava todo o
tipo de mudança: geladeira encrencada, sogra descabelada e moleque remelento
com seus piolhos se bronzeando ao sol.
Fazia uma festa
com sua buzina estrambólica, avisando ao mundo inteiro que já estava no pedaço.
E lá ia ele, se achando um empresário de sucesso, com sua égua de apenas dois
dentes.
— Ah, Rogoberto
charmoso! - suspirava a mulherada, numa alegria sem fim - eita cabra macho da
peste!
Ele encarava um
monte de entulho com a força de um tigre faminto e valente. Não reclamava da
vida, porque dizia ser o dono da carroça mais enfeitada do lugar, com seus
badulaques pendurados como um circo ambulante.
Pretendentes tinha
de sobra, esperando apenas que Rogoberto permitisse o carinho das fãs.
Que se matassem,
porque ele só tinha olhos para o dinheiro que guardava dia e noite, esperando
realizar o seu sonho dourado: ter uma casa própria. Filava um almoço daqui um
cantinho para dormir ali e assim ia levando a vida, pronto para dar a volta por
cima em ritmo de gala.
Amigo de verdade
não tinha um e somente seu cachorro Sarnito lhe acompanhava para cima e para
baixo como um irmão-gêmeo. Só faltava falar e muitas vezes lhe serviu de
travesseiro para que pudesse descansar sua cabecinha cheia de minhocas, num
sono tranquilo, enquanto vigiava a carroça pesada com tantos cacarecos.
E o seu dia mágico
chegou. Após anos de economia e muito trabalho, Rogoberto resolveu se dar ao
luxo de ser um homem requintado, de cama, mesa e banho. Uma casinha mobiliada
não fazia mal a ninguém e apenas lhe traria conforto.
Escolheu um lugar
simples, mas do seu agrado: cômodos pequenos, mas com varanda arejada e vista
para rua. Um verdadeiro “brinco” e já se via balançando na rede com Sarnito
arreganhado aos seus pés, tomando um aperitivo na cumbuca de porcelana, de papo
para o ar.
Depois ele
sacudiria todas as pulgas no ar, fazendo charminho.
Nisso Rogoberto se
assustou e percebeu que muita coisa havia mudado e resolveu tomar uma decisão:
—Sarnito, com aquela cara de pobre só atrairia o azar. Nada feito! Que fosse cantar em outra freguesia.
Agora Rogoberto
era praticamente um lorde paraibano e aquele cachorro mirrado não combinava com
o charme da casa nova. Pediu mil desculpas e xoxô Sarnito. Era extremamente
brega e com isto lhe fazia lembrar os velhos tempos de dureza.
Pronto, fez
questão de desovar o infeliz do cachorro numa rua qualquer da cidade, sem dó ou
piedade, comprando um outro de raça genuína.
Sarnito quase
morreu de desgosto e perambulava sem rumo, desconsolado por tamanha ingratidão.
O coroa “ de
posses” não deu a mínima, passeando com um moderno cachorro perfumado, com
pinta de otário. James era o seu nome e combinava perfeitamente com o novo
estilo de vida fútil que levava, se esquecendo de como tudo havia começado; a
carroça, as mudanças e, principalmente a amizade sincera de Sarnito.
E foi aquele
cachorro abandonado que percebeu alguns malandros rodearem a casa de Rogoberto
enquanto James se fazia de morto.
— Ah, isto não! -
rosnou de raiva.
Não permitiria que
um bando de picaretas tentasse roubar o que seu amigo tinha conquistado com
tanto suor, pois somente Sarnito conhecia de perto o esforço daquele pacato
puxador de carroça, que cresceu na vida à custa de muito trabalho.
James poderia
combinar com as redes da varanda, mas não entendia nada de companheirismo,
amizade e dedicação.
Sarnito não pensou duas vezes e avançou com tudo contra os bandidos, arriscando
a própria vida e fazendo Rogoberto morrer
de arrependimento.
Os malandros correram assustados e sem fôlego, deixando o caminho livre para que os dois amigos pudessem se reencontrar após tantos desencontros.
Rogoberto sorriu envergonhado e abriu todas as portas da sua
nova casa e do seu coração para o cachorro valente, prometendo-lhe ao pé do
ouvido que também lhe seria fiel em qualquer momento de sua vida, pois um
verdadeiro amigo não se compra, se conquista!
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