MISTURINHA CAIÇARA



 

T

 

ininha é fruto de uma família tipicamente caiçara; daquelas que se delicia com um copo bem cheio de café com farinha ao clarear do dia, se balançando de lá para cá numa rede pendurada na varanda.

Só conhecia o tio Nenéco, a avó Balbina, o primo Lilico... tudo gente boa, que faziam parte da história de Ubatuba, desde os velhos tempos.

Tio Nenéco era pescador, a avó cozinheira e Lilico, bem, Lilico não fazia nadica de nada.

Para Tininha o mundo se resumia naquela família grandiosa, que todos as tardes se reunia para “jogar conversa fora” contando suas proezas para quem quisesse ouvir.

Não tinha quem não se encantasse com a lenda da “Gruta que Chora”, com o romance da sereia e o marinheiro ou até mesmo com as histórias de pescador que tio Nenéco contava como se fossem verdades verdadeiras. E todos fingiam acreditar em cada “causo”, deixando aquele homem feliz da vida ao divulgar tamanha aventura.

— Se tio Nenéco falou, tá falado. 

A cabeça de Tininha rodava, matutando em tudo aquilo que ouvia, sentindo muito orgulho em possuir uma família repleta de tradição e cultura. Cultura popular.

Cada um deles tinha o seu sotaque, o seu jeito de enxergar a vida e o seu perfil próprio, traçado muitas vezes com o suor do trabalho.

Plantavam para conseguir colher o alimento da casa, buscando um futuro melhor para todos.

Era a mandioca, a couve, a taioba; a acerola, a banana... tudo bem gostosinho para que pudessem ter bastante saúde.

Cultivavam suas lendas, histórias e crendices que vinham sendo divulgadas de pais para filhos durante anos... e todos eram felizes naquele vilarejo de raízes caiçaras. Tininha não acreditava que existissem outros lugares  além das fronteiras de Ubatuba, porque logo atrás das montanhas não conseguia enxergar mais nada. Depois observava a imensidão do mar que se perdia no horizonte, achando que ali era o fim de tudo.

Essa tal de Parati, Caraguá, Jambeiro e São Luíz pareciam muito, mas muito distantes de seu mundo e, talvez fossem invenção de tio Nenéco. Uma daquelas bem “cabeludas”, que enchia a boca para contar.

— Ê tio Nenéco, desta vez forçou a amizade.

Até que chegou o grande dia de Tininha. O dia que sua avó lhe arrumou bem bonita, dizendo que já era hora de ir para a escola.

Tudo “bobiça”! - pensou - Pra quê ir à escola se aprendeu tudo com tio Nenéco? - Sabia quando mudaria a lua, quando subiria a maré e até mesmo quando teria o Noroeste.

Porém isto não era o mais importante na vida. Tininha precisava aprender cada vez mais, ampliando seus conhecimentos e ultrapassando os próprios limites. Precisava tomar consciência sobre seus direitos e deveres, se tornando uma cidadã de muito respeito.

Era preciso que ela conhecesse outras pessoas, novas ideias e diferentes culturas.

O mundo não se resumia na família de Tininha, pois o Brasil é um país rico em diversidades culturais. Com certeza haveria outros tios tão interessantes como o tio Nenéco; outras avós amorosas como dona Balbina e milhares de Lilico espalhados em outros lugares e ela os descobriria bem mais perto do que imaginava.

Tininha chegou na escola carregando apenas sua mochila colorida. Já sentia saudades do aconchego do lar, se encolhendo num cantinho qualquer:

— Ai, ai, ai! Ê hora difícil de passar!

Lá não tinha café com farinha e nem tampouco histórias de pescador.

Mas tinha letrinhas engraçadas que formavam uma palavra diferente, números que somavam e “tiravam”, crianças que procuravam em outras crianças um olhar conhecido.

E de conhecido, não tinha nenhum. Aliás, era um “monte” de desconhecidos que apenas não se conheciam de verdade.

Era o Maneco da venda, o filho do professor, a prima da prima da vizinha. Todos que via passar, às vezes de longe, às vezes de perto, porém sem nenhuma afinidade. Que dureza.

O  restante era uma gente esquisita que não tinha cara de nada. Nem cara de pescador e muito menos de neta de cozinheira. Tininha espichava o canto do olho a procura de alguém que falasse sua “língua”. Que pudesse ser amigo.

Só que para ela amigos eram simplesmente os “iguais”. Tininha não sabia que para se ter amizade é preciso conhecer e respeitar as “diferenças”. Amigo de verdade tem que ser leal, sincero e companheiro. Pode ter o sotaque caipira de Zezinho, que nasceu em Taubaté, o modo de falar cantado de Jobim, que nasceu no Rio de Janeiro, o carisma de quem nasceu na cidade de Jambeiro ou até mesmo o jeito nordestino de Gonzaga.

Ubatuba é uma cidade turística e hospitaleira; que recebe a todos com muito carinho. Existem pessoas que vem apenas para conhecer; passar uma temporada, porém acabam se apaixonando por suas belezas naturais e de repente chegam para ficar, trazendo na bagagem um pouco de sua cultura. E tudo se transforma em festa, porque cada um pode expressar as suas tradições; contar sobre suas lendas, suas crendices, suas histórias.

É como que se estivéssemos viajando para diversos lugares do Brasil, sem sair do lugar.

Tininha fez amizade com Mariana, que nasceu em Goiás, estado que se localiza na região centro-oeste do Brasil. Aprendeu que lá é um lugar muito bonito também, com suas festas populares e festejos religiosos que figuram entre os mais famosos do país.

— Que bonito!

É uma mistura de fé, esperança, determinação que caracterizam suas raízes. A avó  de Mariana, que mora na capital, também costuma fazer doces deliciosos com as frutas regionais. E só de falar dá água na boca. Eleutério é mineiro e veio para Ubatuba com toda a família. As delícias da cozinha mineira são conhecidas e apreciadas em diversos lugares do mundo. Tininha lembrou-se da sua casa, do tio Nenéco, da avó Balbina, do primo Lilico.

Ah, eles precisavam conhecer as histórias que ela ouvia todos os dias no intervalo da aula. Assim teve uma ideia; chamaria Eleotério, Gonzaga, Mariana, Jobim e Zezinho para conhecer a sua família, saboreando um delicioso  peixe com banana ao som das histórias de tio Nenéco. Isto sim seria uma união cultural incrível.

O Brasil é um país belíssimo e reconhecido internacionalmente por suas belezas naturais e por sua gente bonita, alegre e criativa.

Uma gente que tem muito que contar e mostrar; para que isto aconteça é preciso abrir os braços, sem fronteiras, recebendo com carinho e respeito todas as nossas diversidades culturais, pois não somos apenas cidadãos de Ubatuba.

Somos todos cidadãos brasileiros!

 

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