O INIMIGO SECRETO
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urante o ano inteiro aquela família se
confraternizou com direito a muita fofoca, picuinha e puxão de cabelo. Só que o
Natal estava se aproximando e de repente todo mundo virou Santo; ninguém mais
se lembrava do tapa na cara do cunhado, a pulada de cerca do maridão, a língua
afiada da nora fofoqueira e os chiliques da sogra caluniada.
Os sorrisos se amarelam junto com o presentinho do R$ 1.99, combinando com o cartão de Boas Festas e o famoso amigo secreto, que muitas vezes é o próprio inimigo oculto.
Era assim: Aninha
que não gostava de Odete, que detestava Abigail e seu Menezes, que na verdade
sentia calafrios por Rubinho, como se o noivo de sua filha mais velha fosse uma
verdadeira assombração.
A única coisa que
sabia era que Rubinho parecia um abobado, sem pé nem cabeça. Era cozinheiro de
um restaurante italiano e durante as horas vagas, tocava violão num barzinho da
cidade. Dizia ser músico:
— Coisa de
malandro! – concluía o sogro.
Assim Seu Menezes
não permitia que assoprassem o nome do infeliz naquela casa, fazendo ar
superior e sacudindo os ombros, num desprezo de dar dor de dente. Não era um sentimento
explícito, mas todo mundo sacava que ele lhe tinha verdadeiro asco.
Denise, a noiva de
plantão, ficava triste com esta atitude e queria que os dois se entendessem
melhor. Já havia pensado em chamar Rubinho para um almoço de domingo, mas o pai
inventava mil desculpas esfarrapadas.
— Que pena, vou
viajar amanhã. Tenho um compromisso no sertão do Araribá. Fica para o ano que
vem.
Por outro lado,
Rubinho não desencantava nunca; não chegava junto e não dizia uma palavra para
se defender, ora bolas. Que mostrasse que era um homem de muito respeito, mas
preferia ficar na “sua”.
O Natal já estava
batendo às portas e criando aquele clima melodioso:
—A festa, a ceia e
o amigo secreto na casa do sogrão, é claro.
No começo ele fez
charminho não querendo perturbação, mas Denise deu uma dura:
— Ô pai, que baixo
astral!
Para não ficar
feio na foto concordou em receber toda a cambada no seio familiar. Então
resolveram marcar uma tarde para fazer o amigo secreto e combinar os últimos
preparativos do Natal.
Todos chegaram
antes de escurecer, se ajeitando na varanda. Seu Menezes esnobava Rubinho como
se o conhecesse há séculos, mas na verdade não conhecia. Tinha apenas uma ideia
fixa sobre ele: um preconceito.
Algo que jurava
que era, mas não era. E a maior surpresa do papi foi quando sacudiu o saquinho,
abriu o papel e o nome do seu amigo secreto lhe caiu feito um tijolo na cabeça:
Rubinho. Elegantemente
trincou os dentes, se rachou ao meio e pediu licença para não desmaiar em
público.
— Que praga!
Bem, pensou em dar
uma de doente e sumir do mapa em plena noite de Natal, mas a filha não lhe
perdoaria nunca.
Sua consciência
começou a pesar feito chumbo; Natal e menino Jesus, a paz entre os homens...
não poderia pisar no tomate desta maneira.
Puxou Denise num canto e lhe mostrou aquele papelzinho macabro. Ela adorou, se prontificando a dar
algumas dicas para a compra do presente. Na verdade Rubinho era simples, mas de muito bom gosto.
Ele gostava mesmo
de uma boa música, um romance policial ou um instrumento de corda e tocava um
violão como ninguém.
Seu Menezes não
acreditou que aquele “pastel de vento” poderia ser tão sensível assim. Mas era.
Sempre foi, apenas seu Menezes não havia percebido, porque já tinha rotulado
antes mesmo de lhe conhecer melhor.
Durante uma semana, junto com Denise, caçaram um presente à altura dos gostos de Rubinho. Foi o tempo necessário para que começasse a desvendar seus mistérios, deslumbrado com as qualidades do rapaz.
— E que rapaz. Não
pensei que gostasse de músicas clássicas, como eu. Muito menos que sabia falar
francês – babava - puxa, que surpresa! Este moço é supimpa!
Para não fazer
feio na hora H, abraçou o genro no maior entusiasmo, lhe entregando o tal
presente merecido e recebeu em troca a grande lição que preconceito
definitivamente estava por fora.
Nunca é tarde para
se transformar um inimigo secreto em um amigo explícito, às claras. Não somente
no Natal, mas durante todos os dias do ano, porque precisamos abaixar os muros
dos nossos corações para que a família universal possa reinar com saúde, paz e
prosperidade.
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