SEPARAÇÃO

 

             



D

ona Selma e Seu Reginaldo não morriam de amores por crianças e assim que foram morar juntos resolveram adotar Haroldinho como um filho do coração.

Quem era esse tal de Haroldinho? Simplesmente um cachorro mimado que tinha o bom e o melhor do requinte paulista; cama macia com almofadas de cetim, prato de porcelana para a sobremesa e copo de suco com canudinho colorido. Ele fez até chapinha para ficar com os pelos lisinhos e tratamento de unha encravada.

No verão costumava se refrescar com uma sunga de crochê na sua piscininha de plástico e no inverno usava um capote jeans com um gorro de tricô que deixava Haroldinho com cara de abobado.

Só que de bobo não tinha nada! Outros cachorros do bairro odiavam Haroldinho, achando que ele era um traidor da própria raça canina,preferindo “se fazer” de humano enquanto eles padeciam de raiva, humilhados sem um pingo de dignidade.

Alguma coisa de ruim estava acontecendo naquela casa e diziam as más línguas que o casal sensação era coisa do passado e a “batata” de Haroldinho já estava assando ao vapor...

Dona Selma resmungava o dia inteiro com seus botões e só de pirraça mandava um pontapé na barriga do cachorro que já não tinha nem mais a ração do meio dia...

Foi-se o tempo que era um cachorro feliz! Sem amor, sem carinho e sem os biscoitos noturnos  sabor camarão, Haroldinho tava um caco!

— Oh, vida cruel! Só podia ser inveja da oposição.

Até que o papagaio fofoqueiro espalhou para a casa inteira que Dona Selma e Seu Reginaldo estavam em crise conjugal e iriam se separar.

O barraco caiu! Com certeza o final de Haroldinho seria num orfanato pulguento, lá do outro lado do mundo sendo tratado feito um Zé Mané, comendo grama seca do quintal e bebendo água da chuva.

Logo o coitado, que sofria do coração, emagreceu cinco quilos. Tentou marcar uma consulta com seu analista, mas foi tudo em vão.

O mundo lhe ignorava por completo! Por mais que tentasse chamar a atenção de seus pais fazendo gracinhas com a bola de borracha, eles nem lhe olhavam na cara. Tudo que fazia era motivo de chacota:

— Haroldinho está ficando cada vez mais idiota! – resmungavam.

— Como este cachorro é sem graça! - reclamavam - Parece que tem 200 anos, coitado! Estou pelas “tampas” com ele. Já encheu o nosso saco.

Os dois só tinham olhos para as próprias picuinhas e Dona Selma chorava quietinha no canto da cama enquanto Seu Reginaldo não sentia nem mais gosto em jogar dominó com os amigos.      

Após tantos desafetos Haroldinho ouviu atrás da porta que o pobre homem estaria indo embora para Caraguatatuba, sua cidade natal.

— Adeus, Selma. Que se exploda com o seu cachorro “abestado”.

Foi o fim! Acabou-se em lágrimas e percebeu que o seu desfecho também seria triste, trágico e fatal. Talvez jogado na rodovia Rio-Santos feito um Zé Ruela.

Naquela noite fazia um “frio do cão” e chovia muito enquanto os dois brigavam na sala; num chute certeiro mandaram Haroldinho para o meio da rua, sem se preocuparem com sua saúde debilitada.

Por mais que chorasse de frio, não lhe ouviam porque na verdade ele não tinha nenhuma importância naquele momento .

Já não era mais o cachorro do coração, o caçula, “thucothuco” da mamys e do papys ...o queridão do pedaço!

Então resolveu cair no mundo com uma muamba nas costas. Começou a fuçar nas lixeiras para não morrer de fome e a dormir num caixote velho de feira.

Ele não estava revoltado com a própria sorte...estava decepcionado!

Tão magoado! Tão estressado!

Haroldinho conseguiu entender na pele o que acontece com alguns filhos quando seus pais se separam e os colocam para fora de suas vidas como se fossem culpados por aquela situação.

— O que será de mim? Um pobre cão sem eira e beira. Sem família, sem ninguém...Nunca imaginei passar por essa situação.

Foi andando sem rumo e se afogando nas próprias lágrimas.

Só que após a tempestade, vem o sol e quando Dona Selma não o encontrou na soleira da porta quase se descabelou toda de arrependimento. Haroldinho não tinha culpa de suas desavenças com Seu Reginaldo e não merecia ser tratadoassim .

Era somente um cachorrinho perdido naquela cidade sem lei, precisando de um colo de mãe, um abraço de pai e uma casa feliz!

— Meu bebê! Por onde andas, coração? - gritava em prantos.

Na verdade ainda formavam uma família e precisavam resgatar aquele filho perdido porque ele só queria um pouco de carinho, nada mais.

Uniram-se numa busca sem fim! Colocaram anúncio no rádio e no jornal. Distribuíram fotos do pobrezinho todo  avacalhado  e percorreram todas as ruas desesperadamente.

— Alguém viu o nosso filhinho perdido por aí? Ele é pequenino, com manchas amarelas pelo corpo, todo peludo e sem os dentes caninos.

— Ahhhhh??! Nossa, que feio! - estranhavam.

De repente avistaram um cachorro todo mulambento , gritando:

— Sou eu, Haroldinho.

—Meu garoto! – gritou de emoção – Papys chegou.

Foi assim que após quinze dias de busca intensiva acharam Haroldinho, todo minguado de tanto chorar, perambulando pela cidade, com seu lencinho xadrez enrolado na pata direita, totalmente deprimido.

Nisso os três se abraçaram num momento de paz e juraram que nunca o abandonariam. Talvez não houvesse uma reconciliação...Talvez Seu Reginaldo fosse mesmo embora...Eles tinham muito a conversar, decidir e avaliar, porém Haroldinho merecia respeito e o seu lugar era cativo no coração de cada um

deles, principalmente nas horas mais difíceis  onde o amor prevalece superando qualquer obstáculo.

 

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