A bruxa encantada
- Nada mais tem sentido nesta vida! -
choramingava, preferindo ficar em seu quarto escuro à espera da morte.
Não suportava a luz do dia, reclamava por
qualquer barulho e o pior: tinha raiva de todas as crianças.
Não se conformava em ter perdido justamente a
sua menina, sem perceber que existem outras por toda a cidade aguardando apenas
um colo de mãe.
Em cada canto podia se encontrar um filho.
Bastava procurá-lo com os olhos do coração.
As más línguas diziam que sua casa era
assombrada, com um buraco no meio do quintal que tinha uma boca faminta que
sugava as criancinhas. Tinha fama de louca, mas no fundo era apenas uma mulher
sofrendo que se negava a ser feliz de novo.
Ao lado do seu paredão medonho existia um
sobrado, erguido há mais de cinco anos, que abrigava, com muita dificuldade,
algumas crianças carentes. Porém dona Izaurinha não suportava qualquer
ruído que pudesse atrapalhar seu pesadelo eterno e todas as noites podiam ouvir
os gritos neuróticos da velha bruxa, fazendo com que as crianças tremessem de
medo.
Assim rezavam baixinho, pedindo a Deus o fim
da guerra, da fome, da violência e da ira de dona Izaurinha. Queriam, de
coração, que ela ficasse boa, permitindo que a luz do sol clareasse os seus
dias.
Até que numa manhã de domingo, no quintal do
abrigo, Clarice e Janete se pegaram numa briga terrível , tudo por causa de uma
boneca cabeluda, com o rosto riscado de caneta e dona de um par de olhos tristes.
Janete nem pensou duas vezes, atirando a
infeliz para o céu.
Mas, para quê? Foi direto na vidraça
assombrada, da casa medonha de dona Izaurinha. Ninguém deu um pio. Que medo!
Ouviram apenas o barulho de um caminhar
pesado, indo em direção à janela, feito uma assombração.
Não conseguiriam imaginar o rosto tenebroso
daquela mulher cheia de lendas e crendices. Talvez tivesse uma cara maligna que
despertasse pavor, com seu jeito fúnebre e grotesco. Alguns minutos de silêncio
e expectativa. O que aconteceria agora?
Foi quando um vulto abriu a cortina
devagarzinho, tapando os olhos para não enxergar tanto brilho. O brilho
daquelas crianças carentes à espera de um momento mágico.
Todos continuaram mudos com aquela estranha
aparição e Janete começou a rezar baixinho, como uma cantiga, formando um coral
de vozes junto com Clarice, Amanda, Sabrina, Priscila...
Cada uma delas pedia à sua maneira que dona
Izaurinha deixasse a luz da vida penetrar em seu quarto, na sua casa e na sua
alma doente.
Ela encarou o rostinho miúdo daquelas
crianças e percebeu que conservavam o semblante inocente de sua menina, que
como toda menina, deseja apenas um pouco de amor.
Aconchegou a boneca junto ao peito e então um
milagre aconteceu. Dona Izaurinha, que nunca foi bruxa, apenas uma mulher
amargurada diante de suas perdas, sorriu.
-Não se preocupem. Vou devolver a boneca pessoalmente.
Ninguém acreditou ao ver Dona Izaurinha
entrar pela primeira vez no abrigo, carregando alguns pacotes nos braços.
- Esses brinquedos são para vocês. Eles
estavam guardados comigo há anos; aprisionados num lugar muito triste e escuro,
lá dentro do meu coração. Agora quero que eles se libertem, como eu preciso me
libertar!
As crianças lhe abraçaram com carinho,
pulando de alegria no seu colo e gritando “um viva” para tia Izaurinha. Ela não
conseguiu conter os risos e as lágrimas, oferecendo-se como voluntária no
abrigo para que pudesse lhes fazer companhia todas as tardes.
Finalmente havia compreendido que nunca é tarde para recomeçar e sentir o amor nascer de dentro para fora. Nós fazemos parte de um todo e com o tempo tudo vai se ajeitando novamente. Basta apenas dar espaço ao renovo com leveza, foco e fé.
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