A receita milagrosa




        
             Seu Toninho era um homem da roça e calado em seu próprio mundo. Gostava de ficar observando o gado pequenininho lá no pé da serra e dizia para si mesmo que era um sujeito de sorte.

Lá ele tinha a galinhada no forno a lenha e uma moda de viola que viajava só em pensamento, sem sair do lugar, mas um dia acordou meio indisposto e ficou na cama até tarde.

- Hummmm, hoje não me encontro disposto. Que gastura!

Seus filhos resolveram levar Seu Toninho para a cidade mais próxima. Precisaria fazer alguns exames, consultando um doutor famoso e popular.

Ele achou que era bobeira e ficou aborrecido por ter que deixar o sítio assim tão de repente. O desconhecido lhe causava medo e com 70 anos de idade, valente na mata e boiadeiro desde moleque ainda se assustava com o barulho do progresso desorganizado.

Até que Doutor Jacinto passou por ele na salinha de espera e nem olhou dos lados. Estava nervoso e reclamava bufando com a sua secretária.

Depois babou, irritado:

         - Que tempo horrível! - trancou os dentes.

         - Ora, se não chovesse como o pé de arroz ia crescer?- pensou seu Toninho com os próprios botões, achando que aquele médico não entendia “nadica” de nada. - Que azedume!

 Demorou em ser chamado e enquanto isto só matutava como um homem tão estudado não conseguia compreender a sabedoria da natureza. Talvez nunca tivesse pisado num chão de terra com os pés descalços apenas para sentir a terra germinada ...Talvez nunca tivesse entendido sobre o trabalho que um homem simples do campo tinha para levar a comida para a mesa das pessoas: café, arroz, feijão...

Quando Seu Toninho entrou no consultório, sentia dó daquele pobre médico; de cara feia, carrancuda e decerto cheio de problemas de saúde.

Observou com carinho toda a sua irritação e ao se olharem por um instante, Seu Toninho lhe sorriu com sabedoria popular:

 - Doutor Jacinto, para ser um bom médico primeiro precisa ser paciente. Vá conhecer a natureza de perto, fazer uma boa pescaria... catar lambari ! O senhor está doente e não sabe. Acho que posso lhe dar a receita.

No começo ele ficou meio ressabiado, mas depois conversaram por quase uma hora e no final da consulta Doutor Jacinto já contava piadas da sua época de estudante.

 - Toninho, uma mocinha chegou para o rapaz muito "apessoado" e exclamou: nossa que lindo bigode você possui e ele mais que garboso respondeu: - puxei mamãe.

Os dois gargalhavam como loucos.

         - Ah, Jacinto! Nunca ri tanto. Olha, hoje a tarde vai ter uma pescaria lá no sítio e você é o nosso convidado especial. Não aceito um NÃO como resposta, hein? Te aguardo lá, meu compadre.

- Ô meu doutor, seu pedido é uma ordem. É pra já!

Após a saída de Seu Toninho, mais que depressa pregou um cartaz na porta do consultório, escrito à caneta:

 

FECHADO PARA VIAGEM

MOTIVO: TRATAMENTO DE SAÚDE

 

Jacinto só passou em casa rapidamente para pegar uma bermuda velha e um chinelo surrado. Naquela semana, o doutor não atendeu ninguém, pois estava em tratamento com Seu Toninho, num sítio distante lá no pé da serra.

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