Ao papai
Eu sentia saudade do meu pai porque ele era
um homem muito ocupado e todas as vezes que acordava para ir à escola, ele
ainda dormia. Era um sono pesado que fazia com que ficasse o dia todo na cama,
resmungando com qualquer um que fizesse um barulho diferente. Minha mãe ouvia
tudo calada, passando toda a roupa em silêncio. Ele era o chefe da casa e sabia
impor o seu lugar.
Depois, quando anoitecia, assobiava uma
cantiga boêmia, colocando a gente no seu colo, com muito cuidado para não
amassar a camisa de cetim. E lá ia ele para o boteco da esquina tentar a sorte
no jogo do bicho, porque na verdade a vida estava difícil para todo mundo e a
nossa despensa estava ficando cada vez mais vazia.
Eu ficava observando o seu jeito imponente de
andar e sentia orgulho em ser seu filho.
O meu pai era conhecido por toda a cidade e
não parava de vir gente chamar por ele no portão. Às vezes era o açougueiro,
depois o dono da quitanda e até algumas mulheres que faziam minha mãe sufocar o
rosto no travesseiro para que não ouvirmos o seu choro desconsolado.
- Homens são homens - ele dizia quando
chegava de manhãzinha com o corpo cambaleando de tanto “cansaço”.
Trazia o leite e o pão num papel todo
amassado, fumava um cigarrinho de palha e preparava uma boa pinga só para
relaxar um pouco. As pessoas falavam bobeiras sobre ele, porém eu nunca
acreditei, pois era o meu pai e merecia respeito.
Talvez não pudesse pagar a conta de água e
luz, comprar uma televisão colorida para a nossa sala ou nos proporcionar uma
vida melhor, mas nos dava o seu exemplo e quando eu crescesse queria ser
igualzinho a ele. Depois encostava a cabeça no seu ombro e pensava o quanto
éramos parecidos. Só que papai não tinha os olhos verdes como os meus. Papai
tinha os olhos sempre vermelhos.
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