O BEM QUE ME QUIS
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esde que
Carlito casou-se com Cicinha, o seu maior sonho era ter um filho “menino-homem”
para poder levá-lo na sauna, na capoeira e no futebol. Em qualquer lugar onde
pudesse exibir o seu maravilhoso patrimônio familiar como o legítimo “Rei do
Topete”.
Ficava
durante horas planejando o futuro de Júnior. Sim, porque teria que herdar o seu
nome e com certeza, a sua cara:
olhos pretos arregalados, nariz de
tucano, bochechas fartas e boca de caçapa.
Provavelmente seria um líder político, mas se quisesse depois das aulas de computação, judô e inglês, poderia fazer um curso de administração de empresas só para relaxar um pouco.
Júnior seria
um menino prodígio e se soubesse aproveitar bem o tempo, com quinze ou dezesseis anos
poderia ser presidente. Presidente?! Presidente de qualquer cumbuca e até da
escola de samba, se conseguisse.
Carlito
bufava de desgosto porque na verdade o tal Júnior nem existia ainda.
—Que palhaçada! Tudo culpa de Cicinha.
Todas as
vezes que o marido tocava neste assunto ela desconversava, tinha chiliques e
armava o maior barraco. Fazia bico e batia o pé.
—Filhos? Só trazem rugas de
preocupação!
Cicinha não
entendia que não era certo deixar o Júnior só no rascunho. Justo ele que seria
o poderoso do pedaço e toda a humanidade jamais perdoaria o egoísmo daquela
mulher mesquinha que não emprestou o seu ventre para gerar o futuro de uma Nação.
Aliás, não emprestou, não vendeu e nem alugou. E assim o pobre Carlito se revoltou de vez.Ele estaria completando quarenta anos no sábado e o seu melhor presente era um desejo impossível.
Só de raiva
passaria a noite comemorando num boteco qualquer, falando mal de Cicinha para
galera, é claro. Nisso teve uma ideia melhor. Que boteco, que nada! O boteco
mudaria de endereço.
A festinha
seria no seu próprio cafofo com “bituquinhas” daqui e charminho dali. Depois criaria
um clima de amor e Cicinha não resistiria aos seus encantos.
Dito e
feito! Foi uma noite maravilhosa e Cicinha tomou um porre danado. Riu alto,
caiu no quintal, escorregou no tomate e pum! Pronto, o grande plano foi
consumado e Carlito ria muito mais.
— Ah, meu
amor! Agora Junior vem com tudo.- pensava Carlito.
Era só
esperar o resultado do grande feito.
— Carlito,
eu acho que estou grávida.
Carlito
quase enfartou de tamanha alegria.
—Sou o homem
mais feliz do mundo!
Entra mês e
sai mês... O desespero de Cicinha era a felicidade de Carlito!
Ele fez um
puxadinho onde seria levantada a suite presidencial de Júnior. Mandou trocar o
azulejo da casa, o piso e até o teto. Tudo para a chegada do grande Imperador.
Foram os
piores meses da vida de Cicinha , que observava sua barriga crescer com
lágrimas nos olhos.
Não falava
com ninguém, não comia e não dormia. Enquanto o paizão se empenhava na compra
do berço, das roupinhas e até do champanhe para comemorar.
Só que Júnior
não se sentia amado e percebia que do lado de fora daquela barriga “o
bicho pegava”. Não era o queridinho da mamãe e desse jeito não tinha graça. Foi
enfraquecendo dia a dia e sentiu que infelizmente não era bem-vindo.
Cicinha
começou a sentir fortes dores e corria o risco do bebê nascer antes da hora.
—Nossa, como
dói! —choramingava.
Enquanto
Carlito chorava aos pés da cama aos prantos, Cicinha teve um sonho esquisito.
Um menininho entristecido se despedia, dizendo que não seria feliz se ela também
não fosse.
— Não quero
te deixar desse jeito, mamãe.
O seu coração bateu mais forte e sentiu que
era Júnior partindo sem ao menos ter chegado.
—Seja feliz.
Até um dia, quem sabe. — murmurava Junior com a boca trêmula.
Assim ela percebeu que ali dentro estava a continuação
de sua vida e não poderia deixar que se fosse num sopro qualquer.
Com lágrimas
nos olhos deu um salto repentino e acariciou seu ventre, pedindo que Júnior
ficasse:
— Meu filho
amado, mamãe está aqui. Perdoe se não lhe tratei como realmente merece. Dê uma
chance para sermos felizes... Fique, eu imploro.Somos uma família e vou
cuidar de você.
E ele ficou.
O tempo foi passando e Cicinha começou a curtir aquela criança cada dia mais,
junto com a “corujice” de Carlito.
—Bom dia,
meu amor. Mamãe está aqui. — acariciava a barriga: — Eu te amo.
—Papai
também te ama, meu filhote lindo.
Depois de
alguns meses Júnior nasceu para o mundo. Era um garoto forte e cheio de vida!
Talvez não seria um líder político reconhecido
pelo povo, mas o que importa?
Tudo bem se
fosse apenas uma criança chorona e birrenta com os seus defeitos e qualidades,
mas muito amada, desejada e acima de tudo feliz.
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