Casadinhos

 



            Quando Leandro começou a passar noites inteiras jogando conversa fora nos botecos da vida seu casamento com Mercedes evaporou.

Nenhuma mulher consegue engolir este sapo cabeludo durante muito tempo porque um dia a casa cai.

Não existe jeito que desse jeito e pra gente assim a tolerância é zero. A rua inteira já conhecia esta história de amor com final infeliz onde Mercedes era a principal vítima daquele monstro desalmado.

Quando ele atravessava o portão da frente, rodopiando a chave do carro, as fofoqueiras de plantão queriam jogar um ovo podre na sua cara de lua!

Lá ia o picareta de carteirinha, deixando a infeliz com as crianças, mortos de tristeza. Mercedes assistia a novela com os olhos trincados por dentro, já sabendo que passaria mais uma noite perdida em com seus pensamentos, se questionando:

- Por que deveria aceitar tudo aquilo de boca calada? Pensava nos filhos e talvez fosse por eles. Não conseguiriam viver sem Leandro, porém assim que as crianças crescessem colocaria um ponto final naquele descaramento todo e Leandro ia pro saco, de mala e cuia.

Porém crianças são crianças, mas não são bobas. Elas sentem o cheiro da falsidade no ar e não adianta inventar um romance aonde não existe mais nada. O clima pesa e fica como um quebra-cabeça com as peças perdidas. Não vale a pena mentir para os outros e para si mesmo, porque um casamento postiço não tem sentido e ao passar o tempo, desbota.

 Mercedes e Leandro já estavam separados de “velho”! No fundo, todos sabiam e as crianças também. Nunca precisaram tocar no assunto e aquele silêncio falava mais que mil palavras. Era um entra e sai, mudo. Durante anos foi assim e só esperavam Môniquinha virar moça, Murilinho completar 18 anos e Dedeia fazer a primeira Comunhão, para que pudessem dar um grito de liberdade, mas este dia custava a chegar...

Enquanto isto Mercedes era triste e deprimida, carregando um bolo entalado na garganta. Aquela situação indefinida lhe trazia mágoas e um sacrifício enorme para forçar a barra em nome de uma família feliz que infelizmente não existia mais.

 

Até quando conseguiriam levar uma farsa adiante apenas para não contrariar os filhos?

 Numa noite, como tantas outras, Leandro se embelezou no mesmo horário de sempre; ligou o carro e saiu pra rua, dizendo que voltaria logo. Como sempre, Mercedes ligou a TV, disfarçando o mau humor que aquela situação lhe causava. Môniquinha, Murilinho e Dedeia caminharam até ela, na pontinha dos pés.

Ficaram ao seu lado, olhando no fundo dos seus olhos; da sua alma. Compreendiam a sua tristeza e sentiam junto com a mãe a mesma agonia. Já sabiam de tudo e não tinha mais o que negar.

Cadê a mulher, o marido; a mãe, o pai? Cadê a família unida? Poderiam ser o que quisessem, mas que fosse de verdade. Mercedes não conseguia fingir que nada estivesse acontecendo. Talvez não precisasse esperar que crescessem para que ela fosse feliz, livre daquela tortura que a deixava sem ação.

Naquela noite esperou Leandro até tarde. Queria colocar todas as verdades na mesa. Estava no seu limite e merecia ser feliz.

- Precisamos conversar.

Ele armou um forrobodó daqueles, dizendo que não seria justo com as crianças, porém daquela maneira também era injusto.

Após uma longa conversa resolveram que cada um viveria a sua vida, como bem quisesse.

-Se você prefere assim, Mercedes, tudo bem. Vou embora dessa casa. Vai ser bom ter a minha liberdade de volta.

- Isso mesmo, curta a sua vida de boemia e me deixe em paz!

Leandro saiu batendo a porta e após alguns dias alugou um quartinho no mesmo bairro. Na primeira semana fez um churrasco com os amigos, jogou baralho com o primo, dançou com a vizinha da frente, caiu na calçada, vomitou na gola da camisa, trocou juras de amor com o vaso sanitário e dormiu abraçado com o cachorro.

No final do mês já estava amuado, sem graça e   “borocoxô”.

- Que coisa chata. - chutava o sapato para debaixo da cama.

- Sem ninguém para fazer companhia... Que saco!

Nisso caiu em profunda melancolia. Não sentia mais graça em perambular pelas ruas na madrugada e quase morreu de saudades.

-Vou dar uma voltinha para refrescar a cabeça. Que tédio!

Aos domingos Mercedes passeava com as crianças no parquinho e logo foi surpreendida pela companhia de Leandro, que aos poucos foi se tornando cada vez mais presente.

Enquanto eles brincavam na balança o casal colocava a conversa em dia, o diálogo, o respeito e o amor.

- Eu voltei a estudar- comentou Mercedes. - As crianças ficam com minha mãe enquanto vou á noite na escola. Estou adorando! Acho que logo me formarei em pedagogia como sempre quis.

- Sinto muito orgulho de você. Sempre foi uma mulher guerreira. Acho que vou fazer um curso de mecânica.

- Que bom. Também torço muito por você.

 - Ela nunca esteve tão bonita! - pensava Leandro. E ele tão apaixonado!- Que mulher! – suspirava - Tão independente!

- Que homem! Tão atencioso! Nunca tinha reparado no seu bigodinho charmoso. Como ele fala difícil! Sabe usar as palavras.

Mercedes contava sobre a sua nova vida e Leandro dizia o quanto as pessoas mudam, se transformam e recomeçam. Principalmente quando se perdem, mas depois se encontram ainda mais unidos numa força única:

 - Senti falta de você, Mercedes.

- Você também me fez falta, Leandro.

Trocaram juras de amor e resolveram marcar um jantarzinho especial na casa de Leandro, com direito a uma macarronada e pudim de leite.

Nossa, que surpresa, ele também aprendeu a cozinhar!

Pronto, agora Mercedes e Leandro estavam namorando, felizes da vida, e tanto carinho assim só podia virar casamento!

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