Dona do Destino

 

                                            



 

Um filho é a continuação de um corpo, de uma alma e de um  sonho.—dizia dona Sônia consigo mesma. 

Claro que não! Cada um tem o seu próprio caminho e merece ser respeitado por isto. Foi exatamente assim que aconteceu com Isadora Michelly Cristina, pois era filha única e a verdadeira dona do seu mundo.

Exigia colo, carinho e mimos que dona Sônia procurava sempre ofertar, facilitando a vida de sua princesinha que com o tempo também queria dinheiro. Muito dinheiro!

—Estou falida, mamãe. Faz um PIX?

—Para quando, filha?

—Ora, para ontem mamãe!

    Assim ela foi lhe dando um caminhão de frescuras e do portão para dentro Isadora Michelly imperava sem piedade.

Nunca ouviu a palavra “nunca”. Não tinha limites e ganhava as coisas no berro.

Era solitária e vivia isolada das outras pessoas. Amiguinhas nem pensar porque já tinha uma “personal babá” que procurava suprir todas as suas vontades e necessidades.

— Não tenho maturidade para aguentar as lamúrias desse povo sem graça. Não preciso de mais ninguém. Belinha, esse suco de pêra  ta horrível. Já falei mil vezes que o suco é sem açúcar.  Entendeu ou preciso desenhar? Tenha bom senso pelo menos uma vez. Cadê minha tapioca? Rápido, estou atrasada para a academia. Hoje começo o pilates.

Por ironia do destino vivia irritada e histérica:

— Que dia cruel. Tô cheia dessa vidinha sonsa. Que tédio! O sol está torrando os miolos e nada pra fazer... Também odeio a chuva. Tenho raiva do vento porque despenteia todo o meu cabelo!  Vida ingrata e sem sentido!

         Mesmo assim era o orgulho da “mamys” e seu futuro brilhante já estava determinado:

— Será uma arquiteta, engenheira, juíza ou pianista. Talvez Primeira Dama do país! Terá um futuro excepcional e digno de aplausos!

Poderia escolher qualquer profissão que lhe deixasse muito mais poderosa do que pensava ser.

Não trabalharia, pois a mamãe trabalharia por ela. Não teria problemas porque a mamãe resolveria por ela e o seu mundo seria dourado há milhões de anos luz!

Dona Sônia dizia combinar o destino de Isadora com Deus e a vida da mocinha já estava traçada em sua mente repleta de estratégias.

Só que ela não percebeu que os filhos também têm o direito de escolher o seu trajeto e muitas vezes sem consultar ninguém, pois assim caminha a humanidade.

Errar faz parte do recomeçar e foi com grande surpresa que dona Sônia viu sua bonequinha de luxo gritar que:

— Faculdade é um porre. Curso de inglês, nem morta! Viagem cultural é mania de gente velha. O “must” da moda é ser “bicho grilo” e pronto! — Falei.

Dona Sônia quase empacotou e se recolheu entristecida e morta para o mundo.

— Relaxa, mamys. Tô de boa! Acende um incenso e ta tudo certo! Beijos telúricos pra você.

Isadora Michelly agora tava na dela, totalmente ZEN com sua sandália de couro, saia rodada e apetrechos coloridos no cabelo.

       —Justo ela que tinha de tudo. — comentavam.

Isto mesmo, ter de tudo nem sempre dá consistência para a personalidade de alguém. E de personalidade em personalidade, num lual muito louco na praia de Itamambuca em Ubatuba a mocinha rebelde conheceu o grande amor de sua vida: Bob Barney. Quem? Isso mesmo.

Ele veio do nada, trazido pelo vento do Noroeste, sem lenço e documento. O cabelo parecia uma peruca e tinha tatuagem até no canto da unha.

Foi um momento chocante e os dois curtiram o maior love!

— Que cara incrível! Que homem!

—Gata, borá dividir nossas miudezas no meu  bangalô lá num pedaço de terra no Sertão do Ubatumirim? Tenho um cachorro caramelo, uma tartaruga centenária e resenhas em aspirais psicodélicos além da eternidade. O que acha?  Eu curto pescar e cozinhar. “Demoroô”?

—Demorô! Fechado.

Que decepção para dona Sônia que desde a partida da filha amada trancou o seu quarto cor-de-rosa com sete chaves enquanto ela preferia mesmo dividir uma canga peruana nas areias da praia em Ubatuba. Mas e a academia, o celular de última geração, o computador top e o carro novo?

—Tudo consumismo, mamy! Tô em outra.

O bacana era o som que Bob Barney tirava do violão na pracinha da Matriz arrebatando corações apaixonados.

Desta maneira tinham se amarrado para sempre. Não queria ser nenhuma “capitalista alienada” e seu maior sonho era vender artesanato na feirinha hippie.

— Assim é demais! Pra mim basta. Ou eu, ou ele. — ordenava a mãe. Você escolhe, Isadora Michelly.

E ela escolheu o mitológico Bob Barney. Dona Sônia quase pirou e resolveu lhe esquecer, fazendo um cruzeiro marítimo para a Europa.

— Bye, bye ! Adeus.

Não queria vê-la nunca mais e se transformou em uma mulher amarga e de mal com a vida.

Depois viajou para Ubatuba, desejando encerrar esse ciclo em grande estilo. Quem sabe eles não se encontrariam em alguma esquina qualquer?

Mas um filho não se perde desta forma e num desses desencontros da vida, enquanto dona Sônia passeava na avenida da praia do Cruzeiro, ouviu a gargalhada gostosa de uma criança, refletindo a mesma alegria da mãe que vendia artesanato numa cesta de palha.

—Como são felizes! – pensou sem se dar conta daquela realidade.

Atraída pela energia boa resolveu se aproximar para escolher algumas peças de artesanato.

—Boa noite, querida. Esses brincos são maravilhosos. Você quem faz? Quanto capricho!

Nisso a moça virou-se rapidamente e respondeu com a voz embargada

—Sim senhora. Aquele rapaz ali é o meu esposo, Bob. Ele é um homem incrível e formamos uma família feliz. Essa é minha filhinha Madu. Ela tem dois aninhos. Não é linda?  

De repente o passado trouxe a sua menininha de volta:

        —Isadora, é você? – limpou as lágrimas.

        Isadora não acreditou no que estava vendo.

       —Sim, mamãe. Sou eu. Quanto tempo! A senhora está tão diferente... Um pouco mais magra.

        —Estive doente, triste e deprimida. Você está ótima, filha. Está com um brilho nos olhos... Parece mesmo estar feliz! —mediu as palavras — Saudades! Podemos encontrar um equilíbrio nessa história?

        — Claro, mãe. O equilíbrio é fundamental!

       As duas não conseguiram conter a emoção que estava aprisionada durante anos.

Elas se abraçaram sem dizer mais nada. Era Isadora Michelly que estava ali com a sua família, aprendendo a caminhar com seus próprios pés.

Às vezes tropeçando, outras caindo, mas acima de tudo orgulhosa por ter tido a audácia de investir em tudo aquilo que realmente acreditava!

        A felicidade não mora ao lado, na casa do nosso vizinho ou nos sonhos alheios. Ela está dentro de cada um de nós!

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