ME MIMEI


        


        Veróca era uma mulher que vivia exatamente dos trocados que ganhava limpando o palacete da patroa e aquela “fortuna” não servia para nada  porque depois do dia 10 ninguém encontrava a moça desfilando por ai.Decerto se entocava no buraco do tatu, fingindo estar morta só para não pagar ninguém.

        Fazia milhares de dívidas como se fosse a poderosa Rainha da Mufunfa! Que piada mais ridícula do mundo porque ela não tinha aonde cair morta, precisando até fazer um curso de equilíbrio para suportar o peso de tanto carnê!

        Era o carnê do “mico” ondas, do “figo” bar e do aparelho de “são”. Aqueles cacarecos ficavam empilhados num cômodo  sem luz elétrica que era iluminado por um lampião velho. 

       Veróca ficava fula da vida, dizendo com a boca cheia que tinha o direito de consumir também:

      - Eu sou pobre, mas sou gente! Eu mereço, poxa! 

     Gente de carne e osso, carteira de couro e com as antenas ligadas em qualquer pechincha; qualquer promoçãozinha besta e barata que pudesse entupir sacolas e mais sacolas de pacotes maravilhosos que levavam Veróca á loucura, principalmente no dia do pagamento .

        O salário daquela  era um cisco de nada em vista da montanha de bugigangas que aparecia na sua porta.

        Veróca era pirada de tudo...Era uma consumidora fanática e não conseguia se controlar, sentindo tremedeiras de emoção ao ver uma propaganda nova na TV. Ainda mais se o produto era facilitado em 96 vezes de um valor "pititiquinho", quase nadica de nada!

        A sensação em ver o caminhão virar a esquina com aqueles homens maravilhosos vestidos por um macacãozinho azul era muito forte.

        - Que loucura! Me mimei.

        Um bem adquirido e sacramentado, em duas vias,  sem fiador e comprovante de renda, era uma terapia maravilhosa.

        Depois eles desovavam os pacotes, achando mesmo que se tratava de alguém com muitas posses!

        Taí o segredo de tanto prazer, pois Veróca esquecia de vez a sua infância pobre todas as vezes que sacava o seu Super Carnê, deixando para trás qualquer coisa que rimasse com:         - pouco dinheiro ou pobreza .

     Somente assim “crescia” por dentro, abafando para os outros e para si mesmo .

        Era uma forma de “aumentar” a sua auto-estima e de ficar devendo cada fio de cabelo, é claro.

        Por mais que tentasse colocar um breque nesses instintos selvagens e nesta gula de consumo, não conseguia de jeito algum .

           Você pode até achar graça nas picaretagens de Veróca, mas isto é um problemão .

        O Dia dos Pais estava chegando e aquela maluca já estava pirando .Só de pensar que as lojas estariam entupidas por barbeadores elétricos, pijamas de seda, cadeira do papai e vendedores babões tratando qualquer Zé Mané como se fosse o Lordy Gato , se empipocava toda .Pronto, não aguentou tamanha pressão psicológica e quase lhe amarraram na cama .

        Tudo em vão ! Veróca teve um surto, saindo para a galera .

        - Me deixem em paz cambada de malucos! 

       Parecia hipnotizada , abobada, enfeitiçada ...Mais que depressa grudou a bolsinha dourada  debaixo do braço, passou um batom vermelho , deu um tapa na peruca e FOIII  !

        O  estranho é que Veróca nem tinha mais pai vivo, mas isto era um detalhe bobo .O importante era o valor sentimental da coisa .Cruzou a rua da direita, virou a esquerda e caiu com tudo na loja principal da cidade .

        Estava se sentindo em casa, no próprio lar .Se acabou nas bancas e no crediário  com os olhinhos piscando a mil por hora . Os vendedores amaram Veróca, dando brinde surpresa, pirulito de graça , vale-compra ...

        Ela atravessou a rua sorrindo de emoção e quando chegou do outro lado da calçada estava chorando feito louca .Que horror, não tinha mais um tostão furado !

        - E agora? Estou frita!

        Estava arrependida e morta de vergonha .Era impossível pagar tantas dívidas assim e não tendo outra pessoa a se apegar, foi direto para a casa da patroa, contando-lhe sua triste desventura .

       Dona LILI lhe passou um "sabão" daqueles e aos poucos foi ficando comovida, prometendo lhe ajudar.Tudo bem, vai .Que atire a primeira pedra quem nunca fez uma besteira na vida ...

       - Ah , Veroca! Você destruiu o meu coração.

       Dona Lili foi até o banco, pediu um empréstimo para o gerente e acompanhou a coitada da mulher até a loja, liquidando de uma só vez todas as prestações posteriores .

        Pagou a conta dos presentinhos do papy de Veróca , que chorava lágrimas de sangue. Conversaram sobre o assunto e ela jurou de pés juntos que NUNCA MAIS .

        Nunca mais até quando Deus quisesse, é claro .Estava envergonhada e pediu saída mais cedo do serviço para refletir melhor sobre o assunto, descansar assistindo uma TV                e êpa, promoção a vista !

          - aparelho de musculação em oito vezes sem juros  com direito a uma mesa de canto totalmente grátis ?

          - um kit capilar com xampu importado, peruca de várias cores e um implante de mechas loiras de meio metro ?

             - “TÔ DENTRO !” . 

       Não pensou duas vezes .Afinal de contas Dona Lili merecia um presentinho no capricho, entrega a domicílio e com direito a uma super foto ao lado do gerente da loja .

            Isto sim era digno de qualquer freguesa cinco estrelas sindicalizada pelo clube dos Consumidores Unidos Jamais Serão Vencidos , graças a sua tremenda picaretagem, ao seu olho de luneta maior que a cara e o bolso , é claro .


  

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