MARIA MULHER





     Quando Maria ainda era uma menininha desengonçada e cheia de peraltice aprendeu com o mundo inteiro que para ser respeitada deveria ser dócil, feminina e extremamente frágil.

      Conversar sobre droga, sexo e prazer, nem em sonho! Porque mulher de família entende apenas sobre o preço da carne, se especializando em servir o maridão barrigudo e seus amigos amestrados.

Maria cresceu assim; com seus desejos reprimidos para dentro do SHOLTIEN. Não podia rir alto para não ser vulgar.Não podia ter opinião, expressão ou  paixão. Somente homens podem e devem impor seus defeitos na cara de qualquer um.

O homem safado é chamado de espertinho.

O homem violento é chamado de durão.

Enquanto que Maria tinha que ser um pé de couve: cega, surda e muda, plantada num cantinho da casa só para não incomodar ninguém.Quase morta.

O único desejo permitido para uma dona de casa é observar com carinho as roupas alvejadas no varal, uma a uma, formando um poema que apenas quem tem as mãos entupidas por calos consegue entender.

Apenas isto não é vida para ninguém e uma mulher tem muito mais para oferecer e para conquistar.Por mais que Maria batesse o pé ainda levava a fama de rebelde.

Nisso, só de pirraça, se engraçou com o primeiro tonto que apareceu na sua frente, pois na verdade queria mesmo era fugir para bem longe dali; do pai cruel e dos irmãos que faziam dela uma xucra sem vida própria, nascida e criada para cuidar dos moveis e se alegrar com a novelinha das oito.

Este era o perfil da mulher de moral e a nora que qualquer mãe queria ter.E assim que Antônio passou na rua, ela caiu de boca no bonitinho indo direto para o Altar.

        Tudo ia muito bem com a rotina do casal e Maria logo se acostumou em ser a “Esposa do Século”.Ele trabalhava para fora e ela...Ah, ela deixava a casa um brinco!Ele se divertia com os amigos no bar e ela adorava ler fotonovelas.

    Quando chegava a noite, Antônio se esborrachava no sofá falando  sobre a crise econômica e Maria protestava contra o tamanho da batata que vendiam na feira.

        Poderia falar que tingiu o cabelo, que comprou um alvejante de roupa mais barato e que no domingo faria frango frito...

      E numa noite comum, como tantas outras, Maria se deu um tempo para olhar no espelho;  dedilhou os lábios secos, o rosto maltratado e o penteado mal feito.Sentiu dó de si mesma e ao seu redor quem brilhava mesmo era o chão.Na parede tinha um retrato antigo do casal e ficou com saudades.

       Alguns anos haviam passado e somente Maria não havia passado por ele.Não havia curtido; sido feliz! Não teve prazer e nem algo que lhe fizesse muito mais mulher.

    Colocou os chinelos e começou a se procurar pelos cantos da casa, pelas portas, maçanetas e não encontrou ninguém. Nem mesmo Antônio, que jogava conversa fora num boteco qualquer.Tudo estava perfeitamente em seus devidos lugares:  os bibelôs, as cortinas e o tapete.Apenas a sua alma estava deslocada do corpo, perdida e sem dono.

        Começou a chorar baixinho e a chamar por um e por outro.Estava ali sozinha, com tudo que havia conquistado durante a vida (a sua vida).Estava ali com os moveis reluzentes, que já haviam feito muitos calos nas mãos. Mas, pode parar! Uma voz, de dentro para fora, dizia:

        - Acorda mulher! Se dê um valor e construa a sua felicidade.

    Maria teve um piripaque daqueles fulminantes.Um piripaque de esperteza! Voltou a estudar e agora tinha assuntos também, aliás, vários.

      Tinha argumento, opinião, expressão e paixão.Porque Maria não conhecia a intensidade de seus sentimentos e o poder de sua energia, quando se transformava em mãe, mulher e companheira.

       Maria começou a trabalhar fora, a ter o seu próprio negócio e o seu próprio dinheiro.E você pensa que Antônio ficou bravo? Claro que não. 

       Ele se sentiu o homem mais feliz do mundo, pois reconheceu que estava diante de uma pessoa determinada, forte e que soube conquistar o seu espaço, com muita garra, determinação e jeito; jeito de mulher !

 

 

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