O crime imperfeito
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udo começou quando Lurdinha se esparramou no chão da varanda com uma
caneca de suco geladinho, só de olho no movimento ao redor.De repente uma
formiga foi se aproximando e a menina só não cutucou suas perninhas com um
palito de fósforo porque conseguiu escapar desesperadamente, como que se
quisesse muito viver. Ficaram se encarando por instantes e ela tinha uma voz
chorosa e cheia de mágoa:
— Por que tanta maldade,
garota? Também sou proprietária desta casa e mereço todo o respeito do mundo.
Moro no açucareiro lá da pia há muito tempo e nunca lhe agredi, apesar de
perdemos vizinhos e amigos diariamente vítimas da violência humana. Eu mesma já
fiquei viúva várias vezes e ontem perdi um companheiro afogado na xícara de
chá. Era um formigo honesto e trabalhador, dedicado à família. Ele saiu logo
cedo para o sustento do próprio lar quando de repente foi atacado por uma mão
gorda. Ela grudou o pescoço de Aluísio e deu um safanão em suas costelas
raquíticas. Justo ele que sofria de bico de papagaio desde criancinha. A nossa
equipe de resgate se mobilizou toda só para capturar o vitimado, porém seu
corpinho flácido foi mergulhado várias vezes dentro da xícara fervendo e a
criminosa ainda teve a audácia de pinicar o defunto com a ponta da unha. Os
humanos se julgam superiores em toda a sua inteligência “racional”, porém ainda
massacram companheiros pequenos que também possuem o mesmo direito de viver.
Deveriam ter mais respeito com seus semelhantes, de qualquer forma e tamanho,
pois são obras do mesmo pai que os criou neste caminho evolutivo. Não queremos
optar pela violência. Precisamos que a violência opte pelo nosso corpo
transbordando paz.
Nisso Lurdinha abaixou os
olhos, muito envergonhada. Quantas vezes ela teria violado a natureza
simplesmente por se sentir dona dela ou por se achar poderosa o bastante para
ter o direito de destruir o que na verdade jamais saberia criar.
—Se os humanos soubessem
respeitar as pequeninas coisas que os cercam, conseguiriam valorizar muito mais
as grandiosidades que os interiorizam- sorriu a formiga, num gesto carinhoso.
E a partir daquele dia,
Lurdinha passou a absorver para si os ensinamentos daquela simples formiga
falante, enxergando com os olhos da alma a perfeição da natureza divina, pois
nós humanos não somos donos do mundo; apenas fazemos parte de um ciclo que se
chama VIDA.
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