O dilema de Wadinho

 





Enquanto Wadinho era um bem sucedido motorista de táxi de uma empresa internacional, toda a mulherada se derretia aos seus pés, digo, aos seus sapatos que brilhavam como uma panela nova.

Ele não perdoava nem a própria tia e era famoso por sua fama de bonitão, mas Wadinho era muito bem casado e somente os íntimos conheciam a sua verdadeira mulher; a mãe dedicada de seus cinco meninos, a boa cozinheira de toda a família e a poderosa DONA DO MOCÓ, que muitos pensavam que era muda porque não tinha boca pra nada.

Dona Quitéria sabia de cor sua “escala de trabalho”, começando no tanque e virando a direita de cara com a pia, rapidamente sem perder o gingado feminino que deixava Wadinho louco!

E aí se não deixasse... Ficava de bico a semana toda sem dar o dinheirinho da feira ou da quitanda.

A vizinhança toda não se conformava com a escravidão de dona Quitéria, que permitia tanto abuso em troca de alguns trocados que iam direto para as contas atrasadas, fazendo com que costurasse para fora também aos domingos sem atrapalhar a jornada diária da casa.

 Wadinho nunca tinha hora certa para voltar e era presença constante no dominó, no futebol, no bingo e na gafieira. Em qualquer lugar que fosse bem longe da família.

Sempre alegre com os amigos, prestativo e camarada, mas em casa era um cricri, deixando todo mundo louco de raiva.

Enquanto isto dona Quitéria pagava o maior mico!

Só que aquela noite não passou das dez; abriu a porta de fininho, murcho e com a voz mansa como um miado, chamou a mulher de “benzão”, já abraçado ao seu cangote com lágrimas de sangue.

Pois bem, diante daquele babado todo, dona Quitéria só conseguiu entender uma coisa:                         Wadinho estava desempregado!

O homem contou mil histórias da carochinha, dizendo que havia sido vítima da inveja alheia.

- Todos me perseguem, “mozão”! Só porque tenho olhos claros e sardas na face.

Sentia-se doente, cheio de dores e com um medo terrível da VINGANÇA DE QUITÉRIA.

-Estou arrasado, minha Deusa! Pode me mandar embora, se quiser! 

Ela preparou um chazinho, tentando lhe agradar, só de olho naquele malandro.

Nos primeiros dias o boneco procurava emprego em anúncios de jornal. Na verdade queria um que fosse a altura do seu charme, da sua sensibilidade e do seu desempenho cultural.

- Como está difícil conseguir um trabalho digno da minha capacidade física e intelectual! Sofro preconceito porque falo difícil e gosto de me vestir impecavelmente no glamour! Como sou perseguido! Vítima dessa sociedade feminista.

Queria algo que lhe deixasse com tempo livre para a academia de musculação, a corrida na praia e o jogo de taco com os amigos. Uma coisinha leve, para que não envelhecesse dando um duro!

Como não encontrava nada de interessante, se dizia deprimido e desencantado da vida. Logo alugou o sofá do canto da sala e um “pijaminha” de tergal para assistir a todos os desenhos do mundo.

- Adoro o desenho do Patolino. - ria a milhão! – Minha pepita, traga uma gelada.

Dona Quitéria sentia dó daquele traste, se acabando na máquina de costura simplesmente para que não faltasse o mamão para o seu intestino preso, o iogurte desnatado para a pele seca e o churrasquinho no final de semana para os amigos. Mas, espera um pouco... Algo parecia errado, com sabor de sacanagem! Ela começou a olhar tudo aquilo com outros olhos; a reparar o quanto estava gordo e corado e seus dias de mordomia chegaram ao fim:

- Wadinho, você está cada dia mais gordo e eu cada vez mais definhada. Alguma coisa de errado tá acontecendo, hein. Estou de olho.

Passaram-se alguns dias, e numa manhã chuvosa Dona Quitéria estava com a “macaca” e passou o rodo nas pernocas rechonchudas de Wadinho:

 - Chega, cansei desta folga! Canta pra subir!

- O que está acontecendo, minha “prenda”...

- Acabou o desenho do Pica-Pau, Patolino e do Bozo. A partir de hoje exijo uma folga e vou assistir tudo o que tenho direito. Pode desinfetar deste sofá e sair andando, seu verme  porque agora é a vez da mamãe aqui!

 - E o meu mamão com açúcar?

- Vai plantar!

- Cadê o meu torresminho á pururuca, Momozão?

- Explodiu na frigideira!

-Cadê o meu chamego, bebezinho?

- Tá te esperando no tanque!

Agora ela era a Dona da Mufunfa e não teve perdão. Na própria máquina de costura fez um uniforme caprichado e Wadinho, que desde rapaz era motorista de táxi foi promovido, com menção honrosa, a piloto de fogão.

 

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