O pacote de biscoito
Desde que Dedeia foi até a esquina para
comprar um pacote de biscoito e nunca mais voltou, seu Orlando caiu de cama na
maior melancolia, dormindo com sua foto debaixo do travesseiro, esperançoso que
um dia Dedeia voltaria.
Pobre Mulher! Decerto teve um mal súbito,
esquecendo de vez o caminho de volta. Justo Dedeia que sempre foi meio
esquecida, avoada e abololada!
Tanto que certa noite, enquanto trocavam
chameguinhos de amor, ela simplesmente esqueceu o seu nome lhe chamando por...
Tiririca. E depois, com a cara mais lambida do mundo, desculpou-se dizendo que
Tiririca era o filho de sua irmã caçula, mas que irmã, se Dedeia era filha
única?! Que cabeça!
Ela trabalhava o dia inteiro na quitada da
Lurdinha e nunca se atrasou nem um minuto sequer. Até que diante de tamanha
desventura se perdeu durante cinco anos num palmo de rua, evaporando feito
fumaça e seu Orlando tá que chora aos pés da Santa, implorando o seu amargo
regresso, mesmo que fosse para dar o último beijo de adeus!
Queria só um tempinho de nada para lhe
perguntar, olho no olho, o motivo de seu estranho sumiço:
- Por que, Dedeia? Por que?!
Ela nunca foi aquela belezura, mas não
precisava exagerar assim no passeio. Cinco anos são cinco anos e agora seu
Orlando era um homem viúvo e muito bem viúvo de mulher viva. E pagava o maior
mico com a vizinhança!
O falatório da vila era que Dedeia tinha
outro... Outro homem e outra paixão, como Romeu e Julieta.
O pior cego é aquele que não consegue
enxergar a um palmo do seu nariz, enquanto ele continuava a venerar suas fotos
pregadas pelos corredores da casa.
Eram fotos de Dedeia de noiva, de trancinhas,
de óculos de sol, de casaco de lã, de biquíni de bolinha, de bicicleta,
“patinete” e vara de pescar. A sorte de Dedeia era que seu Orlando havia se
enterrado do portão para dentro com todas as suas lembranças, porque logo ali
bem pertinho de casa, a boneca desfilava para lá e para cá com uma peruca ruiva
e óculos escuros.
Era tão descarada que durante todo esse tempo
rachava o bico ao ver que Orlando estava envelhecido, bitolado e fiel ao antigo
amor.
Nisso sentia-se fortalecida, dizendo para si
mesma que era uma mulher inesquecível, poderosa e que deixava marcas no pedaço:
- Esse Orlando é um otário mesmo! Como pode
ser tão idiota!
Como tudo tem a sua hora, finalmente a batata
de Dedeia estava assando!
Seu Orlando não aguentou tanta saudade e resolveu ir embora para bem longe dali, onde pudesse afogar as mágoas, numa boa.
Não suportava tamanha dor e decidiu mudar de
cidade, de bairro ou de mundo para nunca mais voltar. Arrumou uma maleta de
couro, do tamanho 5X5 para colocar o “Mundo de Dedeia”.
Ali dentro estava a sua calcinha camuflada,
suas sandálias douradas , sua camisola furada, seu cachecol de tricô e o seu
retrato falido. Fragmentos de um romance inacabado, separado para sempre por um
bendito pacote de biscoito ! Pensando
desta forma não falou nada a ninguém.
Não tinha rumo, destino,
preocupações...Queria apenas “definhar” pelas ruas da cidade; ruas ingratas que
levaram sua mulher amada, da noite para o dia, deixando em seu lugar uma dor no
peito que não tinha fim!
Saiu na pontinha dos pés, com a cabeça
enterrada num buraco. Talvez se não sentisse tanta pena de si mesmo,
conseguiria erguer o pescoço e dar de cara com a cara de paçoca da própria Dedeia,
que rebolava a carcacinha ao seu lado com um disfarce sinistro.
Então abriu bem os olhos e conseguiu ver o
que nunca havia conseguido enxergar antes: a picaretagem de Dedeia desfigurada por trás dos óculos escuros e uma
peruca ruiva.
- Ah, Dedéia picareta! Como pode me enganar
por tanto tempo? Por que fez isso comigo, sua víbora? Por que me enganou dessa
maneira? Não te dói o coração? Não te perfura a alma saber que me trocou por um
pacote de biscoito?
Qualquer coisa que ele falasse seria mentira
e qualquer mentira tinha som de palhaçada. Seu Orlando sofreu um mal
súbito ali mesmo e deixou que o vento
levasse suas fotos, suas mágoas e suas
recordações!
- Xoxô, Dedeia! Agora também vou sair para
comprar a minha caixa de charuto... Daqui vinte anos eu volto! Adeus, sua
ridícula.
Ela tentou se desculpar, pedindo uma nova
chance, mas já havia se perdido na própria hipocrisia, desde aquela noite
macabra que saiu para comprar biscoito e nunca mais voltou. E pessoas assim,
feito Dedeia não precisava mesmo voltar. Podem ir de uma vez, com a certeza que
não deixarão saudades.
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