UMA BELA MULHER!
Desde o primeiro dia da
aula Geninho bateu os olhos naquela menina
maravilhosa e ficou tonto, desnorteado e tremendo de tanto amor.
Sentiu o coração saltar
pela boca num suspiro de tirar o fôlego, pensando com seus botões:
—Que coisinha fofa! Ela me
leva à loucura!
Ela quem? Uma bela mulher
como Katy Cristina jamais precisaria se martirizar nos exercícios para perna,
bumbum e peitoral, pois ainda era uma tábua de passar roupa.
—Uma linda tábua de passar
roupa! – suspirava Geninho.
O moleque minguou de tal
maneira que não conseguia enxergar a um palmo do nariz. Esqueceu a raiz
quadrada, não comeu mais a merenda escolar e tampouco jogou taco na hora do
recreio, curtindo a maior “fossa” do mundo!
—Como sou infeliz! Quanto
sofrimento eu sinto em meu coração que se dilacera aos poucos... Ó musa
encantadora, faça morada no meu coração que pulsa cada vez mais em rumo á sua
estonteante beleza...
—Quanta breguice, Geninho.
Vá ler um dicionário antes de falar comigo. Que ridículo! —esnobava
Antes ele era um
terremoto; fulminante feito um ninja elétrico e deixava os professores de
cabelo em pé. Mas agora tudo mudou em sua vida, pois havia conhecido
a maravilhosa Katy Cristina.
— Tô fora! – murmurava.—Se
enxerga, rapaz!
Definitivamente, sem
chance! Justo ela que era a poderosa do vovô, a queridinha do papai e a
cuty—cuty da mamãe...
—Que bicho feio da peste!
Além disso, o seu homem
ideal era bem diferente daquele palhaço. Preferia alguém mais velho, maduro e
experiente como exemplo o glorioso Bob Boy. Ah, ele sim era nota dez e estavam
de namorico há pouco tempo.
Bob era o mais bonito e
charmoso da sala cinco e as meninas babavam quando desfilava no corredor.
Os dois estavam
comprometidos e usavam anéis que compraram na feirinha de artesanato.
Esse detalhe
sinistro foi tudo para que Katy Cristina esnobasse Geninho na cara dura, lhe
fazendo de tapete para que pudesse desfilar.
Por mais que o pobre
menino tivesse mudado o corte de cabelo, tingido a franja e caprichado no
visual, ela lhe ignorava completamente.
Quando lhe mandou uma carta
romântica pode ver aos prantos que Katy Cristina limpava o salto da sandália
com a pontinha do papel, rindo a suas custas.
—Que iludido, coitado!
—Quanta crueldade comigo! Falsa! Sebosa!
Que tragédia! Geninho não
dava uma bola dentro. O jeito seria morrer para o mundo, virar farelo de gente
e sumir do mapa.
Ele ganhou dos pais
camisetas novas, um tênis de marca importada e casacos de moletom só para
esquecer tamanho desprezo.
—Nada disso tem valor para
mim. Quero morrer!
Passou o final de semana
trancado no quarto, chorando rodelas de cebolas ao se lembrar daquela ingrata.
Não queria receber ninguém
.Colocou os amigos para fora com um pontapé certeiro na porta do quarto, puxando
os próprios cabelos, numa dor infinita.
—Deixe-me padecer em paz
no pântano do sofrimento!
A tia Soraia levou um
pedaço de pizza de calabresa, que Geninho prontamente desprezou no canto do
prato, dizendo que não beberia e nunca mais comeria nada nesse mundo cruel. Tio Onofre tentou convencer o menino que tudo
nessa vida é passageiro, porém ele chorava tão alto que nem conseguia ouvir.
Todo esse drama foi até
domingo á noite, pois já estava “embolotado” de fome diante de tamanho jejum e
quando a mãe fez a última chamada para que fosse jantar, Geninho mais que
depressa enxugou o rosto com uma toalha felpuda e prontamente sentou-se á mesa,
gemendo baixinho:
— Qual o menu? Tem macarronada?
Adoro batatas recheadas!
Após tanto sofrimento, Geninho
preferiu dar um basta na situação ridícula e resolveu entregar aquela ingrata
de bandeja para o amigo. Que os dois se explodissem de vez, longe dali!
Tomou um porre daqueles se
embriagando com dez garrafas de suco de uva, se entupiu de batatas fritas
encharcadas de óleo e big lanches rechonchudos com mostarda e maionese .
Prometeu para si mesmo que Katy Cristina, nunca mais!
— Ela não me merece! Que
seja feliz.
Caiu de corpo e alma nos
estudos, devorando letra por letra os livros da biblioteca apenas para não
ficar choramingando pelos cantos e servindo de chacota para os outros.
Os amigos de Geninho
tomaram—lhe as dores, virando a cara para o casal fingido, esnobe e sem coração.
—Casal brega! Ela está
horrível de feia e Bob é um cafona. Só usa roupas velhas e fedem a mofo.
De um lado ficou um menino
homem totalmente ressentido, magoado e frustrado. Já do outro estava os
“noivinhos” apaixonados num dengo só, trocando juras de amor sem fim.
Até que de repente a nossa
“Penélope Charmosa” teve um probleminha desagradável e apareceu no último dia
de aula com o rosto todo empipocado feito um torresmo á pururuca.
Bob Boy quase caiu duro de
susto! Ah, esta não! Ela era alérgica a peixe e havia comido sardinha frita no
almoço.
—Eu , hein! — pensou o
bonitão — Preciso de um tempo para pensar. Estou confuso! Para o bem do nosso
relacionamento me afastarei de ti, baby.
— Não me deixe, amor. É só
uma fase.
—Infelizmente estou com as
passagens compradas para a Transilvânia. Até breve.Você está simplesmente
horrorosa!
Então aquele romance
infinito, sacramentado pelas leis do companheirismo eterno, definhou.
—Azedou o pé do frango —
pensou a menina.
Bob Boy resolveu dar um
tempo e na verdade viajou para a casa dos tios no bairro do Taquaral, em
Ubatuba. Deixou a pobrezinha entregue definitivamente á solidão e se remoendo
nas lembranças do passado.
—O que será de mim? Uma
pobre menina solitária e “cancelada com sucesso”! Como estou feia! Como estou
infeliz!
Ninguém lhe deu atenção,
nenhum telefona ou um agrado qualquer. Estava jogada pras traças junto com sua
alergia ridícula.
—Quero chorar até me
desidratar todinha! Que “bad”!
Foi quando ela ouviu uma
voz tímida lhe chamar no portão de casa. Pulou da cama com os olhinhos
brilhando de emoção e rapidamente ajeitou uma presilha colorida no cabelo.
—Sou eu, Eugênio, vulgo
Geninho.Vim te visitar.
—Estou tão feia!
—Impressão sua. Você será
sempre linda!
—Eu não mereço tanto! Você
me perdoa, Geninho?
—Eu não tenho o que lhe
perdoar, Katy. Eu me apaixonei por você
por lhe achar maravilhosa, de fora para dentro. Agora quero te conhecer melhor.
É uma boa oportunidade para nos conhecermos de dentro para fora: a nossa
verdadeira essência. Podemos ser amigos?
— Claro, Geninho. Eu preciso dessa chance.
—Sim, nos merecemos essa
chance. Tudo no seu tempo.
—Você é incrível, Geninho!
Aquela voz era doce, amiga
e repleta de saudades e trazia de volta Geninho, o apaixonado de sempre
escondido atrás de um pacote de bombons e com um sorriso de felicidade
estampado no rosto.
Felicidade por estar
diante de Katy Cristina, que mesmo abatida, com olheiras e toda empipocada,
estava mais bela que nunca, pois traduzia a beleza interior daquele homem
apaixonado.
O olhar de quem ama
consegue enxergar a verdadeira beleza, de dentro para fora, refletindo aquela
que cultiva dentro de si mesmo.
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