A RICAÇA ok
Quando alguém quer fazer alguma coisa pelos outros, não existem desculpas malfeitas somente para impressionar as pessoas.
— Ah, se eu tivesse condições... Infelizmente não tenho nem para
mim. Que tristeza!
A falta de dinheiro não é problema. O
problema é a falta de vontade.Porque há momentos de doação que não têm preço: uma visita ao hospital, uma conversa descontraída com
um desconhecido ou um abraço amigo.Uma força atrai a outra e, quando nos unimos,tudo conspira e evolui.
Desde que Verônica ficou viúva, não levantou mais o popozão do sofá. Seus filhos já eram
crescidos, ela estava aposentada e não queria ter compromisso com nada deste
mundo que não fosse a sua televisão colorida, principalmente com a novela das
oito, que lhe arrancava rios de lágrimas.
— Se Vanessa Cristina não casar com Michel Bryan eu infarto. Não
creio que Mayara Thompson abandonou a própria mãe num asilo mequetrefe.
Ah, tanta miséria assim deixava
Verônica acabada, envelhecida e com muita raiva das injustiças sociais.E
aqueles velhinhos abandonados pela família? Cortavam seu coração!Ela jamais conseguiria
pisar num lugar assim.
— Eu não visito ninguém que esteja em um hospital, sinto dó! –
argumentava.
Aliás, na verdade, ela tinha
comodismo.Para aquele que quer fazer, não existe desculpas e essa ladainha é velha.Precisamos de
atitudes. Então Verônica,com toda a sua solidão,sentia- para o mundo. Era totalmente
dependente de um analista, sempre repleta de tédios e emoções reprimidas.
Preferia passar o tempo sem tempo, reclamando da vida e sem fazer nada por ela.
A sua família morava no interior de São
Paulo e não existia uma alma caridosa que lhe desse carinho.Sem amigos e sem
ninguém por perto, fica difícil! – pensava. Verônica também nunca procurou a
amizade de ninguém. Não tinha empatia e nem paciência com os outros.
—Povo besta! Saco! Que se explodam!
Tem tanta gente por aí esperando outra
gente e fica sozinho, com a vassoura na mão, vendo a vida passar pela telinha
da TV. Ela ainda se abismava com os últimos acontecimentos, dizendo para si
mesma que se um dia ficasse rica, ah, se um dia tivesse uma grana robusta, visitaria todas as creches, os asilos,
as favelas e faria, com certeza, “aquela” doação de peso.
Correria o mundo com a sua bondade
galopante, espalhando a semente do amor ao
próximo.Se no final das contas sobrasse alguma migalha do dinheiro, compraria
uma bobeirinha para ela.Alguma coisa do Paraguai, talvez um bibelô para a
estante da sala ou um relógio cuco.
—Sou uma pessoa simples e não tenho luxo!
Quanta demagogia! Será que se tivesse
uma conta bancária gorda e bem rechonchuda, seria essa pessoa generosa? Deus se
cansou de ouvir suas promessas furadas e fez uma brincadeira com Verônica para ela
perceber que às vezes não é bem assim. De repente foi premiada com uma fortuna
tão grande que dessa vez daria
para demolir o mundo e mandar ladrilhar outro, novinho em folha.
— Sou uma mulher rica, muitooooo rica! Como Deus é bom comigo.
Ouviu as minhas preces e cá estou eu, trincada no ouro!
Quase pirou! Gritava aos quatro ventos que era uma mulher de muita
sorte.
— Primeiro eu quero me mimar com algo simples que faça jus ao meu
enorme coração!
Então mandou erguer um monumento em sua homenagem em plena praça
pública.
— Magnífico! Acho que mereço uma radicalizada no visual. Sandrex,
minha prima de Jambeiro, vai babar de inveja com minha cara nova.
Verônica resolveu dar uma recauchutagem no visual, porque ninguém
é de ferro e fez quinze procedimentos estéticos, incluindo harmonização nos
joelhos, panturrilhas e axilas. Colocou uma peruca lilás, fez implante de
nariz, enxerto na boca e canela de silicone. Mudou de casa, de endereço, de
alma e até de nome.Sumiu do mapa e nunca mais ninguém ouviu sequer falar o nome
de Verônica.
Fez-se na vida,
rodeada por futilidades.Agora era outra pessoa: Zuleika Piroklhos Jacson e nem
se lembrava mais das criancinhas com fome, das vovozinhas abandonadas ou dos
velhinhos descamisados.
— Coisas do passado, baby. Página virada! Que mal tem? Quero curtir
a minha vibe! Me poupem de tantas lamúrias. Tio Chico? Não conheço. Primo
Otávio? Sandrex? Sai fora! Sou uma mulher rica e solitária. Na verdade a minha
melhor companhia é o meu cartão Master Black Power Plus. Nada mais.Joneeeeee, o meu suco de
tamarindo silvestre das ilhas gregas, please!
Tudo caminhava perfeitamente e Deus
estava de butuca só no aguardo de seu amargo regresso. Um dia a casa cai!O
tempo passou “ligeirinho” e aquela belezura subiu a rampa celestial, mortinha da Silva, aos trancos e barrancos. Com carinha toda
amarrotada de tanto chorar,já foi com o discurso pregado na ponta
da língua, pois sabia que o Criador lhe perguntaria sobre o que havia feito com
tanta riqueza. E agora?
—Com todo respeito, o Senhor é muxiba,
hein? O dinheiro estava contadinho!Foi um sopro ao vento. Criou asas e voou, sumiu do mapa! Evaporou-se sem deixar
vestígio, simples assim!
Foi nesta hora que o Criador, indignado, comentou sobre os carros que ela havia
comprado, sobre os sítios e as casas.E,fazendo-se de boba, resmungou que aquele dinheirinho todo não deu pra quase nada.
—Moedinhas banais. Meras moedinhas sem nenhum valor! O custo de
vida está muito alto. Diferente do paraíso, onde tudo é ladrilhado a ouro e gratuito.Eu deveria ter investido em criptomoedas... Enfim, deu ruim!Passado.
Já era. E para dizer a verdade, nem deu pra comprar um barquinho velho
aonde pudesse cruzar Ubatuba-Paraty, quanto mais dar algum trocado para alguém.
Deus só matutava sobre como aquela
mulher era cínica e extremamente abusada. Que cara de pau!
— Sinto em dizer, mas estou falida. Foi tudo tão rápido que nem
deu tempo para piscar.
Então, o Criador suspirou,explicando-lhe que, para ajudar uma pessoa, não é preciso oferecer nenhum bem
material.Um sorriso alegra, um abraço aconchega e uma palavra renasce a
esperança.Isto tudo não tem preço, mas é a maior riqueza que podemos doar a
alguém.O importante é começar, ter atitude e depois tudo se aprimora com o
tempo.
Quanto mais se doa, mais ricos ficamos.
Ricos de dentro para fora, contagiando o mundo com a nossa alma iluminada como
uma peça de ouro resplandecente!
Comentários
Postar um comentário