Deus lhe pague
Dona
Samira era extremamente caridosa. Mão aberta com suas coisas e dona de um
coração do tamanho do mundo. Só não ajudava mais as pessoas porque, de fato,
não tinha de onde tirar.
Vendia doces, fazia coxinhas para fora e ainda cortava o cabelo da vizinhança. O que conseguia arrecadar nessa maratona maluca, ainda doava para quem nunca teve nada.
Todos
os dias, ela atravessava a linha do trem com a sacola cheia de badulaques.
Levava alguns pacotes de biscoitos, pão e leite — o suficiente para acabar em
um minuto apenas. Mas tudo bem. Pelo menos fazia a sua parte. Era a visita mais
esperada nos becos da cidade, onde a recebiam com imenso carinho.
—
Deus lhe pague! — diziam, sentindo vergonha por
precisar tanto daquela fatia de pão que, muitas vezes, era o único alimento do
dia. Alguns agradeciam em silêncio, porque tinham fome e apenas queriam comer.
Na
verdade, Dona Samira já tinha recebido sua recompensa: era uma mulher sábia,
feliz com a vida e com os seus semelhantes.
Filho,
não tinha nenhum. Nem parentes. Ninguém que exigisse almoço, janta ou roupa
lavada. Sua família era aquela gente que conhecia de perto a grandeza da sua
alma nobre. Enxergavam além dos seus olhos e, sem ter como pagar, apenas
murmuravam como se fosse uma prece saída do fundo do coração:
— Deus lhe pague...
Acho mesmo que Deus tentou lhe pagar... em suaves prestações. Primeiro, lhe deu saúde. Depois, paz, prosperidade e então lhe enviou a visita inesperada: um vendedor de bilhetes de loteria à sua porta.
Fazia
muito frio. O homem parecia congelado, com sua maleta de couro, carregando a
sorte para cima e para baixo à procura de um felizardo.
Dona
Samira desculpou-se dizendo que não tinha dinheiro. Era uma mulher simples, que
conquistou poucas coisas nesta vida. Tinha apenas os amigos da cidade. Aqueles
que lhe esperavam todos os dias, com o peito cheio de esperança, acreditando
num mundo melhor.
Explicou
ao vendedor que não acreditava na sorte vinda do nada. E que tudo o que tinha,
não lhe foi dado mas conquistado com muito suor.
O
homem sorriu consigo mesmo, percebendo que havia batido na porta certa. Estava
cansado de perambular à procura desse tal felizardo. Pediu apenas um cantinho
na calçada para recuperar o fôlego.
Ela,
claro, não pensou duas vezes. Serviu-lhe um copo de leite quente com fatias de
pão amanhecido.
Ao
se despedir, agradecido, o vendedor deixou um bilhete encostado no muro junto
com um recado escrito numa letrinha quase infantil:
“Difícil não é doar o que se tem. Difícil é
doar o que não se tem.
E você me deu de comer e de
beber...
E quando recebe aquelas
pessoas em Meu Nome, é a Mim que recebe!
Todos pediram numa só prece:
— Deus lhe pague...
Então seja muito feliz!"
Dona
Samira ficou emocionada. E, naquele mesmo dia, descobriu que o bilhete era
premiado com tanto dinheiro que poderia mudar sua vida num piscar de olhos. Poderia
comprar carros, roupas, viajar o mundo...
Mas
ela não mudou em nada. Continuou a mesma mulher rica que sempre foi. Rica de
espírito!
No
domingo, antes mesmo de clarear o dia, já estava atravessando a linha do trem.
Desta vez sem a sacola de comida. Porque agora ela tinha muito mais do que pão
amanhecido para oferecer.
Dona
Samira abriu uma oficina de trabalho, gerando empregos e produzindo sonhos.
Porque com aquele bilhete premiado, ela seria muito feliz, fazendo os outros
felizes também.
A
felicidade é um direito comum que pode ser compartilhada com alguém.
Como
um caminho aberto, que nos levará a um novo amanhecer.
Precisamos
caminhar sempre juntos: amparando quem tropeça, guiando quem se perde e
abraçando quem chega primeiro.
E
este caminho não tem fim. Está diante de todos nós. Basta darmos as mãos e seguir.
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