MULHER DE MILHÕES ok

 




 

T

em mulher que, por infelicidade do destino, casa-se com o bonitão e ainda leva de brinde o Kit Família, muito bem representado pelo diretor oficial: o cunhado.Não é um cunhado comum, não senhor. É daqueles que almoça e janta todos os dias e só levanta da cadeira para cair de boca no fogão.

 

           Pede emprestado cigarro, vale-feira, vale-transporte, vale-gás e até vale tudo, já fazendo parte da mobília da casa,porque sua cara de pau combina perfeitamente com a estante de peroba da sala.E uma não vive sem a outra; é a peroba e a cara.A cara e a peroba!

Dona Pina que o diga. Ela foi casada durante vinte anos com Coimbra, um zé munheca do caramba que não repartia nem o cabelo só de medo que alguém lhe tirasse o que tinha e o que não tinha.

 

—Bando de urubus!

 

       Caro leitor, o destino é uma caixinha de surpresas e numa manhã de domingo, enquanto voltava da banca de jornal do Didico, derreteu-se na calçada como um suco de quiabo. O infeliz teve um mal súbito fulminante ainda com o troco da revista espremido entre os dedos da mão. Não teve quem lhe arrancasse as moedas, sendo que Dona Pina foi chamada às pressas para ajudar a socorrer o vitimado.

 

    Pronto, por recomendações médicas, estava de molho no leito de dor. Agora Coimbra era o dodóizinho da casa. Gemia o tempo inteiro, de touca vermelha, enrolado num cobertor.Dona Pina envelheceu cem anos! Ela lhe dava sopinha de legumes na boca, água fresca na mamadeira e doce de goiaba na colher.Tinha que ser do jeitinho que ele mais gostava e era um acamado chato, enjoado e pirracento.

 

         —Essa sopa azeda, Pina.  Humm, a água fervendo e com um gosto amargo de mijo. Esse doce de goiaba parece vencido. Tá com cheiro de feijão podre! Que horror! Nossa Pina, você é um traste mesmo. Não sabe fazer nada que preste.

 

        Enquanto Coimbra se recuperava aos poucos, Dona Pina se definhava rapidamente.Ela havia se transformado na sua enfermeira de plantão e corria pela casa a todo vapor com uma bandeja de inox equilibrada na própria cabeça.Lá, tinha todos os remédios necessários, inclusive a lista das tarefas diárias: fazer a barba, cortar as unhas do pé, massagear as costas, contar histórias pra dormir, tirar a cera dos ouvidos... Tudo sem reclamação, é claro!

 

— Já estou indo, Coimbra! Guenta mão.

 

        Mesmo assim,Coimbra não estava satisfeito e desconfiava de tamanha dedicação, achando que tanto carinho assim tinha um nome: sua FORTUNA, muita bem enterrada no fundo do quintal dentro de uma lata enferrujada de marmelada.Na sua cabecinha de alho, pensava que Dona Pina estaria lhe aplicando um golpe daqueles, querendo mesmo que ele batesse as botas de uma vez.

 

—Mulher bandida! Faz tudo já de caso pensado só de olho no meu tesouro.

 

        Só que Coimbra era um lunático e nem se dava conta que aquele dinheirinho minguado não valia nada diante do grande amor que Dona Pina lhe oferecia todos os dias e de graça.

 

— Tadinho do Coimbrinha. Tão carente!

 

        Como não conseguia levantar da cama e muito desconfiado da própria mulher, mandou um convite para seu irmão caçula que morava no Nordeste:

 

— Bizuca, eu quero que auxilie Pina aqui em casa. Estou debilitado e essa mulher é muito lesada e interesseira. Venha o mais rápido que puder que depois lhe recompensarei com umas moedas.

 

        Na verdade ele queria que o irmão rastreasse todos os seus passos, contando detalhes secretos da sabichona.Após uma semana Bizuca apareceu do nada, carregando todas as suas tralhas numa mala de couro marrom. Como estava desempregado no momento, quase morreu de felicidade! Agora sim teria casa, comida e roupa lavada no maior capricho do mundo.

 

    Ele chegou chegando e exigiu até um quarto com vista pra rua, colchão ortopédico, frigobar e travesseiro antialérgico.

 

—Pina, trate meu irmão como um verdadeiro rei. Ele é muito querido, mas exigente.

 

      Pobre dona Pina! Ela enlouquecia diante de tamanha escravidão, repleta de olheiras e só o pó da carcaça. Enquanto isso,Coimbra engordava a cada dia e Bizuca... Ah Bizuca...estava uma formosura só.

 

—Parabéns, Pina! Você é um espetáculo de mulher. Muito atenciosa e guerreira.— dizia para a cunhada, que definhava aos poucos.

 

        Após dois meses de hospedagem,ele já ficava de ceroula no portão da frente e tomava sol pelado em cima da laje.O cunhadão se sentia o rei do mocó, metendo o pitaco na vida íntima do casal e fazendo piadinhas picantes sobre o jeito sinistro que o irmão contava as moedinhas, uma por uma, sem se dar conta que o seu verdadeiro tesouro chamava-se Dona Pina.

 

— Valorize sua esposa, Coimbra. Uma mulher como Pina não se encontra mais nesse mundo.É quase uma santa!

 

—Não se iluda com tanta falsidade, irmão. Pina é burra como uma porta. Não serve pra nada e ainda é esnobe.

 

        Coimbra estava doente, de dentro para fora, e não conseguia perceber a grande mulher que possuía.Mas se ele estava cego, Bizuca enxergava até demais.Aos poucos foi reparando melhor nas qualidades de Dona Pina, sempre prestativa e dedicada:

 

      — Sua maravilhosa! – babava pelos cantos

 

      —Bondade sua, cunhado!

 

      — Descansa, você merece um dia de princesa.

 

        Aos poucos ele foi lhe cativando com palavras doces e verdadeiras:

 

      —Esse vestido azul lhe caiu muito bem. Que comidinha gostosa! Você fica linda sorrindo...

 

Coimbra gargalhava de desprezo, rebaixando a própria mulher com atitudes negativas:

 

        —Pina é desengonçada e sonsa! Não tem gracejo e sua boca é banguela. Sem contar que é extremamente interesseira. Pensa que não sei...

 

          Ela era uma mulher honesta e não merecia tanta desconfiança assim.

 

—Faço tudo por respeito a você, Coimbra, mas vejo que não merece um tiquinho de nada!— resmungava pelos cantos – Você é um ingrato!

 

Nisso, Bizuca caiu de quatro e, totalmente apaixonado, rendeu-se aos seus encantos.

 

—Pina, você merece ser feliz!

 

        Da noite para o dia mudou o seu jeito de ser.Arrumou um emprego no açougue do Binho, comprou roupas novas e passou a ajudar nas despesas da casa. Durante a madrugada ainda tinha energia de sobra para lhe servir um chazinho com bolachas.

 

—Trouxe pra você.

 

—Nossa, eu nunca fui tão bem tratada!

 

        Os dois já não disfarçavam e resolveram ter uma conversa séria com Coimbra sobre tudo o que poderia acontecer.

 

         —Coimbra, eu gostaria de falar com você uma coisa muito importante.É sobre o nosso casamento...— puxou a cadeira para o canto.

 

—Ah, então não é importante. É baboseira. Já sei o que vai falar...Sobre você e Bizuca. Que se explodam. Ele sempre foi um idiota.

—Então, eu quero me separar.

 

— Já somos separados há muito tempo, Pina. Só você não percebeu. Eu até aprovo o romance, mas exijo continuar no quartinho no fundo do quintal. Só isso. Um mero detalhe!

 

Ele queria ficar mais próximo da latinha de marmelada que acreditava ser o seu grande tesouro.

 

—Que seja feliz,zoiuda! Só não mexa nas minhas moedinhas.

 

        Coimbra não percebeu que já era um homem rico, muito mais rico do que imaginava, porém preferiu ficar com suas moedas guardadas durante anos. Enquanto isso, Bizuca enriqueceu de vez, porque tinha com ele a verdadeira fortuna daquela casa: os préstimos de dona Pina.Ela investia na produção, multiplicava os chamegos e fazia render o amor como ninguém.

 

Existem riquezas na vida que somente os sábios de alma conhecem, valorizam e desfrutam, construindo pontes para a própria felicidade.

 

 

 

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