O Pequeno Grande Cidadão ok


    Aquele vilarejo esquecido do mapa e longe de tanta modernidade tinha seus próprios costumes e a pessoa mais importante do lugar era o carteiro, porque trazia com ele os recados de amor, saudades e esperança. 

 

        Ele já fazia parte da história de cada um: o tio Oscar que mudou para a Capital; o pai desaparecido que nunca mandou notícias ou o namorado que foi embora para sempre, deixando uma mulher apaixonada na mais profunda tristeza.

     Quando Seu Vicente cruzava as ruas com sua bicicleta vermelha, a mais veloz do mundo, seu peito batia forte e suava debaixo de um calor imenso, mas cumpria a sua grande missão com dignidade.

    Os cachorros corriam atrás, querendo beliscar suas perninhas tostadas do sol e depois de muito trabalho, reunia-se com os amigos da redondeza para ler em voz alta todas as novidades, transformando lágrimas doloridas em sorrisos emocionados e às vezes expectativas em raiva!

— “Querido tio Luluca, estou bem, na medida do possível. Minha mãezinha encontra-se doente, mas continuamos com fé de que tudo dará certo. Dê notícias. Ah, esqueci de dizer que eu voltei a estudar e logo me formarei professora.

        Pausa para os comentários:

     —Que maravilha, é a carta de Mirtinha! Professora, que chique, hein? Uma menina letrada é motivo de muito orgulho. —comentavam 

—Saudades dessa menina que foi embora para a cidade grande... Leia mais, por favor, Seu Vicente.

    Então Vicente estufava o peito para ganhar timbre na voz:

     —“Olá, como vai Roberto? Estou aqui para dizer que casei com o seu primo Rosbife, um homem culto, rico e amoroso. Um verdadeiro lorde. Aliás, muito elegante e adora tomar banho. Anda sempre perfumado. Montamos uma padaria mês passado e estamos muito felizes. Espero que suma de uma vez por todas. Passar bem!”

Momento de indignação e camaradagem ao verem Roberto se debulhar em lágrimas.

    —Ingrata. —resmungou o rapaz, saindo de cena.

   —Denise sempre foi falsa! — murmurou entre os dentes— Que se explodam de tanto comer pão amanhecido, velho e duro!

    —Nem tudo são flores, amigos... —Desabafava Seu Vicente: — Tenham bom ânimo!

         Porém, fazia muito tempo que na sua mochila pesada só tinha papéis de cobrança de impostos e contas atrasadas. Era um povo simples e humilde, mas também repleto de sonhos e coragem.

    Sonhavam com casa, comida, dignidade e respeito. Queriam apenas que suas crianças não passassem fome, que aprendessem a escrever e pudessem ir à escola para que no futuro Seu Vicente não continuasse a ser o único leitor de cartas daquele lugar.

     Ele já estava cansado, com a vista turva e não conseguia enxergar alguém para substituir seus préstimos com a mesma dedicação de sempre. Dizia a eles que não deveriam aceitar tanta pobreza de braços cruzados e muito menos a barriga vazia, que cada vez mais, roncava de fome.

    No final de todas as tardes, recolhia a bicicleta para o lado da cama e ao dobrar a mochila no armário, se punha a matutar um jeito de trazer, além das cartas, um pouco de dignidade para aquela gente tão sofrida!

Foi quando o menino Zézito bateu na sua porta logo cedo com um papel de pão amassado dentro do bolso e pediu para Seu Vicente escrever um bilhete muito importante a um tio rico que morava no estrangeiro.

     —O nome do meu tio é Inácio, ele é muito endinheirado. Queria que ele me ajudasse nos estudos.

    Poderia ser uma carta simples, com letras miúdas e frases curtas, explicando-lhe que desejava aprender a escrever e ter um uniforme bonito, para um dia, quem sabe, ser também um carteiro de prestigio e respeito.

     — Tio Inácio tem um bom coração e a última vez que me viu, eu tinha uns seis anos de idade. Depois nunca mais! Sumiu do mapa. Dizem que casou com uma portuguesa e tem uma empresa de sei lá o quê! Tenho certeza que meu recado tocará em cheio o seu coração!

     Zézito tinha apenas treze anos e era um menino inteligente, porém ingênuo. Já Seu Vicente, que era um homem matuto com os olhos bem abertos, percebeu que seria apenas uma carta sem resposta. Daquelas que vão para bem longe e não voltam jamais!

         — Por favor, Seu Vicente. Faça isso por mim!

     Alguns meses se passaram e Zézito ainda esperava sentadinho no degrau da porta. Talvez o tio rico estivesse muito ocupado para ler as lamúrias de um menino que nem sabia escrever o próprio nome. Um menino que deveria ser o futuro da Nação e, no entanto, ainda era analfabeto.

     Zézito andava muito triste ultimamente e recusava-se a conversar com as pessoas, vivendo numa melancolia sem fim.

         —Reaja, menino! Venha comer um bocadinho...

       —Zezito, deixe de ser besta! Que babaquice é essa?  Você acha mesmo que esse tio sumido, que evaporou há anos, vai lhe ajudar? Tome seu rumo.

      — Tio Inácio é um homem importante! Tem cargos no executivo e entende de leis. — dizia confiante:— Tenho certeza que além de me ajudar, irá trazer o progresso pra esse fim de mundo! Vocês vão ficar com a cara no chão quando tio Inácio aparecer aqui.  Ah, se vão!

    Seu Vicente precisava fazer alguma coisa para aliviar o sofrimento daquele menino e chamou Zezito para uma conversa séria. Enquanto beliscavam uns quitutes e tomavam suco de acerola, Seu Vicente começou o diálogo:

     — Rapaz, seu tio pode ser um homem extremamente rico e ocupado, não importa, mas esqueça! Deixe de lado. Não fique na soleira da porta, vendo a vida passar diante dos seus olhos.  Zezito, eu acredito na sua capacidade de realizar todos os seus sonhos, por si próprio. Vamos à luta?

— Verdade, Seu Vicente. Estou cansado de esperar. Já vai fazer cinco meses e nada!

     Então o menino acreditou naquelas palavras e pediu a Seu Vicente que não esperasse a boa vontade de mais ninguém, pois já havia perdido tempo demais naquela vida, esperando a atitude de outras pessoas.


          — O senhor me ajuda, Seu Vicente?

          — Claro, meu fio! Bora realizar!

    No outro dia, todas as pessoas do vilarejo se reuniram embaixo do pé de manga e prometeram para Zezito que ele também seria um leitor de cartas, de poemas e de livros... Leitor de tudo que quisesse ler ali na vila ou nesse mundão a fora!

— Quem mais pode colaborar?— perguntou.

— Eu sou construtor! Eu mesmo construí meu barraco de madeira — disse Thomas, homem matuto da região. 

—Conte comigo. Sou Isaac e mexo com fiação.

 —Eu sou Dolores e ajudo no que for preciso. O que eu não sei ainda, eu aprendo. Sou esperta e não tenho preguiça!

— Precisaremos de todos. Unidos somos mais fortes! -sorriu Seu Vicente.

     Todos soltaram uma gargalhada, sacudiram a poeira e resolveram dar início àquela incrível empreitada.

—Mas, Seu Vicente, será que vai demorar?

—Juninho, nós nunca saberemos se não começarmos. Primeiro a gente começa, depois a gente aprimora!

    Enquanto isso, todas as tardes Seu Vicente reunia as pessoas interessadas embaixo do pé de manga e iniciava a alfabetização.

        —Lucas? Amanda? Gregório? Todos aqui? 

    Ali mesmo, levantariam a primeira escola do lugar porque acreditavam que a força estava dentro deles e quem quer faz, não manda recados.Aquele vilarejo simples cresceu a cada dia, movido pela energia de um povo que sabia e acreditava em seu imenso valor!

 

Texto escrito em 20/07/2007

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