SURPRESINHA AMOROSA! ok
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arcos acreditava ser um marido
prestimoso e trabalhava de sol a sol para não faltar nada em casa, evitando
comentários da oposição sobre os seus namoricos picantes com as mocinhas da
cidade.
Isso era segredo nacional e só de pensar no
assunto se empipocava todo, exigindo o máximo respeito. Ele ainda conservava
aquela cara de peixe-morto que conseguia enganar somente a
própria mulher com suas promessas ridículas e mirabolantes de fidelidade
eterna.
Inventava mil desculpas esfarrapadas
para justificar a sua ida ao bar do Tinoco na manhã de sábado e o seu glorioso
regresso somente na noite do domingo. Eram as famosas horas extras no feriado, as
viagens no domingo ou o joguinho de futebol na
chácara de um amigo do peito.
Que amigo era aquele? Um amigo tão
desconhecido que nem Marcos conhecia de verdade. Tudo fingimento, porque o importante era o chamego da
namoradinha que tinha idade para ser sua neta.Então engrossava a voz, meio
enciumado e proibia Dona Cidinha de bater perna com amizades suspeitas e
invejosas.
—Minha rainha, são línguas ferinas que
chicoteiam calúnias ao meu respeito, desejando com fúria profanar o nosso amor
imaculado— afirmava, lhe dando um beijo de Judas.
Aquele falso queria ter seus casos lá
fora sem perder o conforto do lar e lembrava com carinho da poltrona do papai
que lhe aguardava no canto da sala. Curtia os chinelos de crochê feitos
especialmente para os joanetes e o roupão felpudo que lhe convidava para um
banho perfumado.
—Tenho uma vida de Rei. Gratidão Cidinha, por me proporcionar tamanho luxo!
Marcos vivia num suspense mortal com muito medo que lhes desmascarassem a qualquer momento.Resolveu transformar a própria casa em uma cadeia de segurança máxima,feita exclusivamente para uma única presidiária: Dona Cidinha Maria da Conceição Santos Silva . A famosa Maricota.
A pobre rainha do lar acreditava que
tantos cuidados assim eram uma legítima prova de amor e tentava a
todo custo lhe compensar por imenso carinho e dedicação. Fazia bolinho de fubá
para Marcos beliscar em suas viagens de longo prazo, engomava suas roupas de
trabalho e fazia questão que ele se divertisse bastante nos bailes da cidade.
—Vai pra galera, benzão! Mostre ao mundo como é um homem bem
cuidado por mim!
A famosa sexta-feira de carnaval estava chegando e chamava Marcos
para uma farra poderosa regada há muita bebida e mulher a vontade. Só que
aquele bico-doce estava tão confiante de sua beleza e sedução que não percebeu as verdadeiras
intenções de Cidinha, a sonsa.
—Assim você me faz chorar de emoção!
Ele se preparava desde cedo com ovos de codorna e gemada.Já no
almoço pedia um prato de marisco, no capricho. Cidinha fingia não ver o maridão
todo empolgado e caprichava na faxina do lar enquanto o fofo tomava sol de
cuecas na laje da casa, apenas para garantir um bronzeado mais natural.
Só que Marcos não percebeu que a sua batata estava assando há muito
tempo! Ciscava de cá pra lá, tentando inventar uma história mais caprichada de
acordo com a importância daquela data especial.Deveria ser uma desculpa
perfeita e digna de toda a sua esperteza:
—Meu Biju, apareceu um empecilho desagradável.— melou a voz — Sinto em dizer que surgiu do nada um imprevisto no serviço. Coisa chata de contar.
Marcos nem precisou se torturar tanto porque ela já tinha
arrumado suas malas.
—Não se preocupe com tantos detalhes, fofão. Não tenha pressa para
regressar. Fique em paz!
Ele fez charminho, choramingou e disse
que não seria justo deixar a esposa sozinha, principalmente porque além do
serviço extra, foi convocado para um campeonato masculino de esqui em Piracema
do Norte.
— Tudo certo, moranguinho do amor. Depois manda uma foto pelo
sedex!
— Voltarei o mais rápido possível porque esse povo me ama e faz de
tudo para eu ficar além do tempo combinado. Ossos do ofício, bebê.
Quando Marcos dobrou a esquina,
assobiando alto de pura alegria, dona Cidinha suspirou aliviada ao perceber que
havia sido abandonada novamente pelo marido canastrão.
—Vai com Deus, meu amorrrrrrrrrrrr! — mandava bitoquinhas no ar – Bom trabalho, gorilão da mamãe!
Só que Marcos não era mais o mesmo
garanhão de 1980 e seus 60 anos começaram a pesar principalmente nas costas e
no bico de papagaio.Enquanto a festa fazia o maior sucesso com a galera, ele
apenas balançava o pescoço de garça, injuriado com o barulho.
— Que barulho chato é esse? Saco!
Já arrependido de tal façanha, lembrou-se da pobre Cidinha, que não merecia tanta picaretagem assim.
—Saudades da minha santinha! Vou sair de fininho e ir embora para
casa. Quero voltar para o meu ninho do amor.
Sem que alguém percebesse, Marcos saiu
escondidinho disposto a começar uma vida nova com a esposa querida.Passou na
floricultura mais próxima e comprou um ramalhete de flores do campo. Depois escolheu
uma garrafa de vinho doce do jeitinho que ela gostava!
—Ah, minha menininha linda! Mil perdões. Como fui safadinho com
você... — pensava.
Abriu o portão da sua casa na calada da
noite e sacudiu com leveza o topete
grisalho.
— “Acorda Maria Bonita, levanta e vai fazer o café, o dia está
raiando e a polícia já está de pé...”
Rebolava o esqueleto no ritmo da
marchinha de Carnaval e fazia a maior graça.Queria lhe fazer uma surpresinha amorosa,
colocando as flores no vaso e o vinho para gelar.
—Bonecaaa, o papai chegou!
Ainda meio zonzo de paixão,derreteu-se na cama, procurando o corpo frágil da
mulher, morto de saudades.Procura daqui,procura dali...E nada!
—Cadê você, meu torresminho à pururuca?
De repente ouviu uma risadinha marota
no ar e Marcos levou um baita susto ao encontrar a doce e imaculada Cidinha
rebolando em cima da penteadeira com a sua nova fantasia de tigresa, totalmente
dominada pelo chicote do Ricardão.
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