TRABALHAR, NEM PENSAR ok
T |
ibúrcio nunca foi chegado num cartão de ponto, coçando-se todo só de ouvir a palavra TRABALHO, que mais soava como um palavrão cabeludo. Tinha raiva de tudo que lembrasse a dureza do seu dia a dia e prometia para si mesmo que colocaria fogo no escritório, no próprio crachá e principalmente na peruca vermelha daquele chefe ridículo, que mais parecia um espantalho!
Que desaforo: nasceu pobre e acima de
tudo um empregadinho mixuruca. Era demais para o seu coração! Entrava ano e
saia ano servindo de tapete para que o patrão dourado pudesse desfilar.
—Estou farto dessa palhaçada!
Quanta gente vai dormir durinho da
Silva e quando acorda está nadando na bufunfa? Só que Tibúrcio nunca teve esta
sorte.Ele sonhava de olho aberto e escrevia uma lista quilométrica das
barbaridades que faria se não precisasse mais pisar naquele recinto fúnebre.
Nem se lembrava que era assim que conseguia pagar o aluguel, fazer
crediário na mercearia e comprar uma roupa nova para o baile de gafieira.O
trabalho dignifica, enobrece e abre caminhos nos deixando cada vez mais
preparados para encarar os problemas do cotidiano:
—Bellaroba!— pensava Tibúrcio.
O trabalho nos conduz a uma vida
melhor:
—Tô fora! — resmungava trincando os dentes.
O seu maior inimigo era um despertador no formato de um galo que
ganhou no bingo da Paróquia.Quando aquele galo escandaloso cantava desesperadamente, às 6h da manhã,
era uma luta para abrir uma fresta do olho. Tibúrcio fritava nas cobertas como
uma coxinha de frango, torrado de raiva e querendo mesmo dar o calote no
serviço.
—Sai fora, safado!
Nem adiantava lhe explicar que o país
estava passando por uma crise de desemprego e ter uma fonte de renda era
privilégio de poucos.Tibúrcio chegava no bendito escritório com a cara amassada,
rastejando-se pelos cantos e parecia uma lagartixa
anêmica.
—Hoje eu tô arreado. Não quero nem papo!
Já com o copo cheio de café e um sanduíche de mortadela no bolso
da calça,fazia piadinhas com a mãe do chefe e
ria alto do sapato da secretária. Assim ele era: desaforado e sem noção do perigo.
—Quanta cafonice! Vocês já repararam no
terno do Betinho? É uma sardinha frita.
Parecia que estava pedindo para ser mandado embora. Aliás,
implorando por um bota-fora.Depois, fazia a barba no banheiro do
escritório, cortava as unhas na pia da cozinha e puxava uma soneca na poltrona
do chefe.
— Isso que é vida!
Adorava uma fofoquinha apimentada e ainda levava um rádio tamanho
família na mochila, cantarolando alto um rock progressivo. Tibúrcio tinha muita
sorte e nem sabia!O poderoso chefão conhecia as dificuldades financeiras
daquele pobre rapaz e ele muitas vezes fez vista grossa para os seus desaforos,
acreditando em sua capacidade interior.
—Pobre Tibúrcio, ele merece o nosso
apoio.No fundo, é um bom rapaz. Um pouco intrometido e
deselegante, mas tem boas intenções.
Numa certa manhã ensolarada o relógio despertou no mesmo horário e
Tibúrcio se rachou ao meio com os olhos trincados de terror.
—Eu não mereço isso.Que porre!
Ele começou a delirar e não conseguia
se mexer.Era como se estivesse num filme sinistro,onde se trocava rapidamente para cumprir mais uma jornada de
escravidão.Então, vestiu o primeiro trapo velho que
encontrou na gaveta, numa preguiça de dar dó!
—Que “segundona” macabra! — rosnou.
Quando conseguiu abrir a porta do
escritório com aquela cara azeda, outro funcionário estava no seu lugar,
dançando axé na maior alegria do mundo. Tibúrcio quase enfartou. Ele tentou
argumentar e pedir satisfações, só que faltava tanto no serviço que ninguém lhe
conhecia mais.
— Quem é este bololó?– perguntavam indignados: — Por favor,
identifique-se! Quem é ?
—É Tibúrcio . Sei lá quem.
Foi tratado como um estranho e o seu
castelo encantado simplesmente desmoronou. Percebeu que não fazia nenhuma falta
ali. O chefe ria à toa e sem a presença negativa de
Tibúrcio, a firma cresceu como um bolo de fubá!
—Coitadinho de mim! – chorava no rodapé da porta — Virei um Zé
Ruela. Sou eu, o funcionário Tibúrcio. O amigo de todos... Nem me conhecem mais!
Será que morri e nem me avisaram?
Ignoraram sua presença e meteram a
porta na sua cara de pau.Que desespero!Foi quando, num grito assustador, caiu
da cama suando frio.Tudo não passou de um pesadelo e Tibúrcio gargalhou de
felicidade.
—Não creio! Nossa, meu Deus do Céu, esse foi como um tiro de
raspão. Que susto!
Ele ainda tinha um emprego e então se
sentia o homem mais importante deste mundo.Levantou-se rápido como uma flecha e colocou o seu melhor terno. Deu um fino
trato no cabelo, engraxou os sapatos e saiu pra labuta, cantarolando músicas do
Zeca Pagodinho.
Para a secretária Soninha, levava um vasinho de flores e para o
chefe querido, uma caixa de bombons levemente amanteigados.
—Conte comigo, chefe.
—Maravilha! Você está irreconhecível.
Alguns diziam que Tibúrcio estava
enfeitiçado e usava um crachá com sua foto tamanho família pendurada no
pescoço.Ele descobriu o seu valor através do suor do próprio trabalho e fazia
tudo com dedicação e entusiasmo. Sentia prazer em ser útil e se tornava cada
vez mais prestativo.
—Estou aqui.
No final do ano,Tibúrcio foi eleito o “Funcionário de
Milhões”, sendo contemplado com um Fusca marrom,ano 65.
—Está bom, mas logo ficará ótimo. Quem sabe comprarei um carro
melhor?
Tibúrcio foi promovido a coordenador geral e após algum tempo montou
a própria empresa. Para ele, o maior prêmio era a sensação vitoriosa de oferecer aos outros o melhor de
si, com dinamismo, competência e alegria de viver.
Comentários
Postar um comentário